Longe de ampliar hipóteses de inelegibilidade, decisão enquadrou Dallagnol na já conhecida Fraude à Lei
16 de Maio de 2023. Deltan Martinazzo Dallagnol tem seu registro de candidatura indeferido pelo TSE, o que leva à perda de seu mandato como Deputado Federal pelo Paraná. Ironia do destino ou não, foi a Lei da Ficha Limpa, tão defendida pelo ex-procurador, que colocou fim ao seu curto período na Câmara.
As surpresas não parariam por aí. Crítico à PL das Fakenews inclusive espalhando a mentira de que a possível nova lei censuraria trechos da bíblia, além de entusiasta da nova extrema-direita e personagem mal visto por juristas, eis que a opinião pública é surpreendida quando a organização Transparência Internacional sai em defesa do lavajatista. A nota, publicada no twitter, diz que:
- A cassação do paranaense “produzirá efeitos sistêmicos para a Justiça e a democracia no Brasil”;
- A condução do processo teria sido “atípica”, e que desgastou a Lei de Ficha Limpa;
- A decisão ameaça os direitos constitucionais, uma vez que desconsiderou “do requisito literal e objetivo da lei sobre existência de procedimento administrativo disciplinar (PAD)”;
- Classificou a interpretação da Lei de Ficha Limpa no caso como “extensiva”;
- “Por se tratar de agente público que atuou em casos de macrocorrupção envolvendo indivíduos do mais alto poder”, a decisão pode intimidar outras autoridades que trabalham na causa;
- “a revogação de mandato de membro do Congresso Nacional produz impacto adicional sobre a confiança da sociedade no processo eleitoral.”;
O que diz a decisão?

quem pretensamente renuncia a um cargo (direito a princípio conferido pelo ordenamento jurídico), para, de forma dissimulada, contornar vedação estabelecida em lei (impossibilidade de disputar eleição para o cargo de presidente de tribunal), incorre em fraude à lei.
Voto do Ministro Benedito Gonçalves no processo contra Dallagnol
Primeiro, é necessário entender o caso. Deltan Dallagnol deixou o cargo de procurador no Ministério Público Federal há 11 meses das eleições de 2022. Pela lei, essa antecedência precisaria ser de apenas 6 meses. Ele afirma que esse tempo foi dedicado a cursos para o exercício do mandato que teria caso vencesse o pleito. Ocorre que haviam 15 procedimentos contra Deltan no MP, dentre sindicâncias, reclamações disciplinares, pedidos de providências, dentre outros. Até aí tudo bem: o ex-procurador só poderia ser considerado inelegível caso algum desses procedimentos virasse um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o que não ocorreu já que, com o pedido de demissão, tudo foi arquivado. Um exemplo desses procedimentos foi o que surgiu após a força-tarefa de Curitiba bancar um outdoor de propaganda à causa lavajatista, o que pode ser enquadrado em improbidade administrativa. Um dos colegas de Deltan acabou demitido por isso. 16 dias depois, o próprio Dallagnol pede demissão. Mas será que a saída do cargo tão antes do necessário não ocorreu justamente pra evitar que os procedimentos virassem processos, gerando impedimento para a candidatura? Afinal, em 5 meses muita coisa pode acontecer. É esse o núcleo do voto do ministro Benedito Gonçalves.
Colocar mulheres candidatas apenas para preencher a cota legal, sem investir nas candidaturas; criação de empresa em paraíso fiscal para fugir dos impostos; nomeação de político como ministro-chefe da casa civil para fugir de uma prisão iminente (caso de Lula); Atos, a rigor, legais, mas com o objetivo de contornar, dar um jeitinho brasileiro para escapar da punição. Eis o conceito de fraude à lei.
A fraude à lei, também denominada fraus legis, é vício apto a invalidar
Voto do Ministro Benedito Gonçalves no processo contra Dallagnol
atos e negócios jurídicos. Caracteriza-se pela prática de conduta que, à primeira
vista, tem amparo legal e consistiria em regular exercício de direito, mas que, na
verdade, configura burla com o objetivo de atingir finalidade proibida pela norma
jurídica.
Em outras palavras, para Gonçalves, o agora ex-deputado federal agiu de má-fé, isso porque abandonou o cargo justamente para escapar de possíveis processos que poderiam torná-lo inelegível. O ministro cita um precedente do STF:
Naquele caso, reconheceu-se fraude à lei na situação em que membro de tribunal, na tentativa de contornar a causa de inelegibilidade […] – segundo a qual é inelegível, para presidente, quem ocupou cargos de direção por dois biênios –, renunciou ao cargo de vice-presidente cinco dias antes de completar quatro anos no desempenho de funções diretivas
Voto do Ministro Benedito Gonçalves no processo contra Dallagnol
Cita também a doutrina:
Inúmeros são os meios ou processos de que lançam mão os infratores das normas jurídicas, a fim de se subtraírem ao seu império, a sanções que lhe são impostas no caso de
Alvino Lima, A fraude no Direito Civil, citado pelo Ministro Benedito Gonçalves no processo contra Dallagnol
transgressões. Estes meios ou processos vão da violação direta, pura e simples, sem rodeios ou subterfúgios, às formas mais sutis, disfarçadas, ocultas e mascaradas, adrede preparadas, de maneira a dificultar a aplicação da lei, e consequentemente, subtrair se o infrator à sanção legal
A nota da transparência internacional desinforma ao alegar que houve ampliação das hipóteses de inelegibilidade. Também cria terror injustificado ao falar em perigo, risco jurídico, ameaça à democracia… mais do que isso, em culpar o próprio TSE, vítima, pela desconfiança no sistema eleitoral brasileiro, crime cujo autor foi o bolsonarismo muitas vezes alinhado a Dallagnol. Não há a “alteração casuística do entendimento jurisprudencial”, mas a mensagem já pacificada de que a justiça é cega, mas não boba, não tolerando tentativas de fraude.
Ao defender “o requisito literal e objetivo da lei sobre existência de procedimento administrativo disciplinar (PAD)”, a entidade parece não ter se atentado à leitura do voto, que lembra de precedente em que “decidiu-se que a expressão “processo administrativo disciplinar”, contida na parte final da alínea q, não pode ser interpretada extensivamente para abranger outros procedimentos como o Pedido de Providências e a Reclamação Disciplinar”, e esclarece que “não se pretende na espécie revisitar a tese da necessidade de processo administrativo disciplinar (PAD), em sentido estrito, para atrair a inelegibilidade.”
O que se discute, no presente julgamento, é a prática de um ato – pedido voluntário de exoneração – anterior à própria instauração dos processos administrativos e que teve como propósito frustrar, em manifesto abuso de direito, a incidência do regime de inelegibilidades.
Voto do Ministro Benedito Gonçalves no processo contra Dallagnol
Em outras palavras, o objeto da controvérsia em apreço não é, como quer fazer crer o recorrido, a possibilidade ou não de se conferir interpretação ampliativa ao termo “processo administrativo disciplinar”. O que aqui se tem é uma conduta anterior e contrária ao Direito para evitar a instauração desses processos, ou seja, fraude à lei.
A íntegra da decisão é uma verdadeira aula sobre o conceito de fraude à lei. Vale a pena ler.
Deixe um comentário