Sequer a prisão em flagrante foi mantida. 35 dias, em regime aberto, mas só depois de recorrer em liberdade.

As mulheres da vila santa rosa estão em situação de perigo maior do que as dos outros bairros. Ao menos é o que mostram as sentenças dos últimos anos.
Na madrugada do dia 20 de Fevereiro de 2022, ocorreria o crime que ficará praticamente impune. Bêbado, ele queria ver os filhos. Por conta do horário, a mãe não autorizou. Foi aí que começaram as ameaças de morte e xingamentos. Agressivo, chegou a quebrar o vidro do relógio de força. Com medo, ela chama a polícia, e o agressor foge.
O casamento foi em 2012. Durante os próximos 8 anos, o casal veria nascer seus três filhos. Em 2020, separaram-se. A separação foi conturbada, permeada por processo judicial e medida protetiva.
Já estava perto de amanhecer quando voltou ao local do crime. No ápice, tentou pular o portão da casa para raptar as crianças. Mesmo com os policiais já presentes, não se intimidou: as ameaças de morte foram testemunhadas pelas autoridades, que deram voz de prisão em flagrante.

Você sabia?
Não precisa ser policial: qualquer cidadão pode dar voz de prisão em flagrante. O artigo 301 do Código de Processo Penal estabelece que
“Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
Mas o que é, afinal de contas, um flagrante?
” Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”
Código de Processo Penal
A prisão em flagrante não durou muito: na audiência de custódia, conseguiu liberdade provisória. Apesar disso:
Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.
Lei Maria da Penha, artigo 12-C, § 2º
A denúncia só viraria processo um ano depois. Na frente do juiz, o agressor disse que o objetivo era “proteger seus filhos”, acusando a ex-companheira de maus tratos. Negou qualquer ameaça, dizendo “que tudo não passa de invenção da ex-esposa para mandá-lo para cadeia”, o que não convenceu o magistrado.
a vítima não tinha razão para incriminar o réu falsamente. Se ela se socorreu da justiça, buscando as devidas providências legais, era porque, de fato, estavam submetidos a inadmissíveis agressões e ameaças, tendo vivido momentos de terror psicológico, sem saber se o réu iria realmente matá-los.
Trecho da sentença
Seu objetivo era cometer um feminicídio, mas diante das circunstâncias, adiou. Prometeu aos próprios policiais, dentro da delegacia e no pronto socorro, que mataria a mãe de seus filhos. A promessa não foi o bastante para uma prisão: sem antecedentes, a pena foi fixada em 1 mês e 5 dias em regime aberto, com direito a recorrer em liberdade. É curioso pensar que, depois do descontrole testemunhado pelos policiais, ele receberá uma punição que “baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado”. Pelo menos as madrugadas serão calmas, já que este regime obriga o condenado a ficar em casa durante a noite.
Apesar disso, a vítima conta com uma medida protetiva, o que impede – ao menos em teoria – que o criminoso se aproxime. O acusado demonstrou receio de sofrer tal restrição, prometendo que a mataria no mesmo dia do ocorrido, sem dar tempo para a concessão do direito.
Foi graças à lei Maria da Penha que a punição não ficou ainda mais branda, com um oferecimento de acordo por parte do Ministério Público, por exemplo. Ademais, não é possível retirar a denúncia, regra fixada para coibir a violência psicológica ou mesmo institucional que a vítima possa vir a sofrer.
É importante lembrar que o processo ainda está em prazo de recurso e que, portanto, o homem segue oficialmente inocente.
O número de medidas protetivas concedidas em São Paulo cresceu 31,3% entre 2020 e 2022.
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