Por unanimidade, ministros entendem que “a licença maternidade estende-se ao pai genitor monoparental”

Domingo, 31 de Agosto de 2014. Com 6 meses de parto, nascem, nesta ordem, os gêmeos Carmen e João, ambos filhos de Marco Antônio, perito do INSS. Era 13:35 aqui no Brasil, mas ainda 11:35 no UMASS Memorial Medical Center, em Massachusetts, Estados Unidos, onde tudo ocorreu. Por terem nascido antes do tempo, ambos ficaram na UTI. Pela lei brasileira, a mãe terá direito a 120 dias de licença-maternidade – art. 207 da Lei 8.112/1990, sancionada por Fernando Collor – podendo prorrogar por mais 60 – possibilidade criada em 2008, por Decreto de Lula, e o pai teria 5 dias para dedicar aos recém-nascidos. Aqui, as coisas se complicam um pouco: é que Carmen e João são filhos apenas de Marco Antônio. O servidor participou de processo de fertilização in vitro e, em seguida, utilizou-se de “barriga de aluguel”.
Fica claro que Marco Antônio precisa não da licença-paternidade, mas da licença maternidade. Ao tentar junto ao INSS, o benefício lhe foi negado “por absoluta ausência de amparo legal”. Sexta-Feira, 10 de Outubro de 2014. Mais de um mês depois, veio de uma mulher, a Juíza Federal Substituta Flávia Serizawa e Silva, da 12ª Vara Cível Federal, a primeira vitória da nova família na justiça. Ela concedeu a tutela antecipada, determinando que fosse dada a licença-maternidade de 180 dias para Marco Antônio, que pôde enfim usufruir integralmente do período remunerado para estar junto dos filhos.
“Considerando o princípio da isonomia, que trata da igualdadeperante a lei entre homens e mulheres, não é correto restringir o benefício da licençamaternidade tão-somente à gestante, sobretudo quando o pai solteiro e seus filhos sãoreconhecidos como entidade familia.”
(Flávia Serizawa e Silva)
A Advocacia-Geral da União chegou a colocar em dúvida a paternidade biológica de Marco Antônio como forma de tentar, mais uma vez, negar o auxílio. Foi confundida fertilização in-vitro com adoção. Tempos depois, chegaram aos autos as certidões de nascimento das duas crianças, e as dúvidas foram resolvidas. Mas isso não impediu a batalha de continuar, principalmente pela reclamação de que não havia uma norma ou decisão clara para todos os tribunais. Ou seja, AGU defendeu que, mesmo com essa licença concedida, outros casos poderiam ter resultado diferente, gerando desigualdade de direitos.
AGU contestando de um lado, pai solo e seu advogado se defendendo de outro, eis que o caso chega ao Supremo. O INSS agora está em suas última instância para defender o não direito. O caso cai no colo do ministro Alexandre de Moraes.
Quinta-Feira, 18 de Novembro de 2021. Por unanimidade, 10 ministros – Gilmar Mendes não votou – decidiram que o tema tem repercussão geral. Isso garante que o direito conquistado deva ser aplicado por juízes de todo o país ao julgarem casos semelhantes, mas também faz a história ter mais um capítulo: a votação em plenário. Alexandre lembra o exemplo da Finlândia, país onde essa dúvida já foi devidamente resolvida favoravelmente aos pais solo. Lembra também de outras legislações ao redor do mundo, como no Canadá, na Dinamarca e em Cuba. No país caribenho, a criança tem os pais em casa até completar um ano de idade, e mesmo antes do parto há a concessão de 6 semanas de descanso.
Quinta-Feira, 12 de Maio de 2022. Licença parental é muito mais direito dos filhos do que dos pais. Assim se pronunciou Cármen Lúcia, que também é especialista em biodireito, ao julgar o recurso 1.348.845. Assim como seus colegas de côrte, ela entendeu que o direito à licença-maternidade de 180 dias também deve ser concedido aos pais que cuidam sozinhos de seus filhos, acompanhando o voto do relator, Alexandre de Moraes. A outra das duas mulheres ministras, Rosa Weber, faltou à sessão.
Para outras “Carmens” e “Joãos” que vierem a nascer, sejam brasileiros em outro país ou em sua terra natal, vale, a partir de agora, a tese fixada:
“À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental”
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