“disse que da próxima vez era pra eu ir no meio do mato, onde não tivesse ninguém para socorrer, pendurar uma corda no pescoço e me enforcar, porque aí o serviço ia ser por completo”

Unidade de Pronto Atendimento de Mococa, Agosto de 2021. Em meio à pandemia, um homem de 30 anos da entrada com cortes horizontais no braço, marcas de automutilação, além de estar dopado por misturar remédios controlados com bebida alcóolica. Veio acompanhado da diarista que atendia em sua casa. A diarista fica do lado de fora, enquanto João* é atendido por um clínico geral. Após uma breve olhada, o doutor pediu para que um enfermeiro o suturasse. Antes de saírem da sala, o médico faz um apontamento:
“e judia bastante desse engraçadinho, porque tem gente morrendo aqui, e ele fazendo essas coisas”
Foi aí que João perdeu a paciência: levantou a voz, dizendo que não estava tentando se matar, mas que se tratava de um caso de automutilação, que fugira do controle. Como resposta, o cerne do crime:
“Ele olhou para a minha cara e disse que da próxima vez era pra eu ir no meio do mato, onde não tivesse ninguém para socorrer, pendurar uma corda no pescoço e me enforcar, porque aí o serviço ia ser por completo”
Algumas coincidências poderiam ser milagrosamente atribuídas, não fosse o contexto interiorano. São sempre dois médicos na UPA. O outro era o psiquiatra do jovem, que tratava de seu transtorno borderline e transtorno bipolar. Ao reconhecer o paciente, resolveu fazer a sutura.
João diz que seu psiquiatra presenciou o crime. Procurado, ele diz não se lembrar, mas ressalta que o médico em questão sempre foi “polêmico”. Uma enfermeira que trabalhou com ele por “muito tempo”, reconhece: “Temperamental , mas um bom médico”.
é um médico MT antigo em Mococa , ele não é atencioso igual aos recém formados, mais atende bem sim
Uma paciente recente contradiz a classificação de “bom médico”:
Fui no PS, esperei cerca de 2 horas por atendimento. Ele deixa a cadeira super longe da mesa, não sei se é procedimento, mas o outro médico não vazia assim. Para conversar com ele tinha que gritar. Tentei explicar para ele, mas ele era completamente grosso.
Ele não me examinou, não olhou, não fez exatamente nada.
A Secretaria de Saúde foi contactada por e-mail. Ela visualizou a mensagem, mas não deu resposta até o momento. O médico em questão foi contactado também, pelo e-mail oficial constante no cadastro do CREMESP, mas até o momento não se manifestou. Em respeito ao contraditório, seu nome só será divulgado em caso de uma resposta.
*O nome foi alterado para preservar a segurança da fonte.
Crime

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação
Código Penal Brasileiro
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Em tese, a conduta do médico pode ser caracterizada como instigação ao suicídio. Com testemunha e diante do crime, João poderia ter dado voz de prisão em flagrante, nos termos do Artigo 301 do Código de Processo Penal. Ele explica que enfrentava problemas com a polícia por ter tirado e postado uma foto em frente a um túmulo, sem borrar ou esconder os nomes dos falecidos. A foto é em preto e branco, estilo gótica, com iluminação dura. João está sentado em frente ao túmulo, com semblante sério. Por medo de não ser levado a sério, e por ter sido dissuadido pela mãe, não fez nada.
“foi o momento mais difícil da minha vida. Ainda teve as minhas fotos pelado, fui parar na delegacia. MTA coisa aconteceu, eles não me dariam credibilidade nenhum”
[…]
“na época eu queria ter feito algo mas minha mãe não deixou;
pelo fato de ser uma cidade mto pequena e por dependermos do SUS”
[…]
“eu gostaria mto de não ter meu nome envolvido pq minha terapia é pelo SUS e em questão de psiquiatra e psicologia estou mto bem amparado” (sic.)
A pessoa que for vítima de comportamento instigador ao suicídio ou à automutilação pode procurar a polícia e registrar um boletim de ocorrência. Para o tratamento da ideação suicida ou das raízes da automutilação, existe o Centro de Valorização da Vida, disponível para uma conversa responsável 24 horas por dia. É só ligar pro 188.
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