Uma autocrítica que contamina outros veículos

Já virou hábito utilizar uma fórmula bastante escandalosa no jornalismo digital:
” [nome do juiz ou ministro] dá [número] dias para [político ou réu qualquer] explicar [matéria do julgamento]”.
Por que é que essa fórmulinha faz tanto sucesso? não será por conta da sua própria imprecisão? Ao usar o verbo “explicar”, presume-se que o magistrado já pré-julgou e achou estranho, absurdo ou incomum a matéria alvo de processo. É como se o juiz, ainda em fase de instrução, já tivesse ideia específica sobre o tema. O meu caso foi apenas mais um:
” Rosa Weber dá 10 dias para Bolsonaro explicar indulto a Silveira”
Título de matéria minha neste site
A sensação transmitida é “ela não gostou nada dessa história de indulto e quer que Bolsonaro dê uma boa desculpa”. Vejamos o teor do despacho que deu origem à manchete:
” […] Requisitem-se informações ao Presidente da República, a serem prestadas no prazo de 10 (dez) dias. […]”
Despacho de Rosa Weber na ADPF 964
Fica visível que o espírito da coisa é outra. Trata-se, na verdade da continuação de uma rotina processual que Rosa Weber já sabe fazer de olhos fechados. Trata-se do processo de instrução, combinado com o princípio do contraditório e da ampla defesa. Diante disso, eu reescreveria de algumas formas:
- “Rosa Weber dá 10 dias para Bolsonaro informar sobre indulto a Silveira”
- “Rosa Weber dá 10 dias para Bolsonaro falar sobre indulto a Silveira”
- “Bolsonaro tem 10 dias para prestar informações sobre indulto, decide Rosa Weber”
- “Rosa Weber dá seguimento à ação sobre perdão de Silveira”
Muito menos engajador, sem dúvida, mas um pouco mais noticioso, convenhamos. É necessário, penso eu, alinharmos a palavra com o espírito da palavra, sob pena de uma distorção ainda que sutil, ainda que involuntária e sem dolo.