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Em resposta ao sub-chefe

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Não há amargura pior do que trair os próprios princípios em nome de coisa qualquer que seja. Quando o que está em tela é o poder, no entanto, soma-se à amargura a contradição deste: é que o poder transforma-se em mercadoria dos próprios humores, não mais em vias de exercício, mas em vias de escravidão. O poder torna-se, portanto, não-poder. Infeliz o poderoso que aliena o poder a seu próprio desequilíbrio emocional.

No caso em questão, fica a dúvida: ignorância ou falsidade? Se é ignorância, dizer “você foi o único presidente do conselho municipal de educação sem formação” denota desconhecimento da função de um conselho participativo, a saber, promover a participação ampla da sociedade, em forma de democracia, e não de uma aristocracia de intelectuais. Conselho participativo difere de conselho técnico (como CRO, CRM, CAU, dentre outros) na medida em que o primeiro é político, e o outro profissional. No último, é exercido o dever de controlar determinada categoria profissional, sob o manto do conhecimento técnico no saber a que corresponde. No primeiro, trata-se do exercício da cidadania, por meio da democracia direta, a qual é (ou pelo menos deveria ser) de igual alcance tanto ao doutor quanto ao pedreiro. Desconhecer o funcionamento de um órgão desta importância enquanto ocupa a chefia do poder executivo é sintomático: sintoma de ausência de procura por conhecimento na medida em que se avança a cargo tão alto.

Tratando-se de falsidade, entra em cena a traição dos princípios, a negação da verdade. Aqui, dizer “você foi o único presidente do conselho municipal de educação sem formação” não ocupa somente a função de sanar uma birra pessoal: cada cidadão que lê tal comentário é levado a crer que não pode ocupar cadeira ou ter voz no conselho municipal de educação, o que na prática é impensável, já que o mesmo foi feito para o cidadão, e possui cadeiras destinadas exclusivamente à sociedade civil – uma das quais tive a honra de ocupar, e muito bem ocupar.

Talvez outras coisas deveriam ter sido complementadas: Por que o nobre prefeito não cita a lei que proíbe pessoas sem formação em tal conselho? Por que não elabora uma lista com o nome e a formação dos atuais presidentes de cada conselho? Por que não explica o motivo do desmonte atual dos conselhos, colocando neles nomes que jamais ousariam questionar a palavra da família-chefe do município? Digo mais: Por que não conta – mas que conte com verdade – sobre o fatídico dia em que me chamou para “conversar” na cozinha do departamento de educação? Já que é momento de falar, que seja de maneira completa e detalhada.

Pouco me importa a maneira no mínimo curiosa com que o mandatário me retruca, que isso já é de seu feitio a tempos para com qualquer um que o ouse questionar. Por outro lado, levar a população ao engano apenas para sanar uma rixa pessoal me parece um desvio inaceitável de uma ética que qualquer prefeito deveria possuir.

A ânsia conduz a objetivos nem sempre lógicos. É através da ânsia que a emoção fornece seu desassossego ante os descontentamentos. A ânsia, porém, por vezes sistematiza-se, e ao sistema de ânsias nominamos ansiedade, anormalidade de expectativas que leva a ações sem nexo ou desproporcionadas. Ao fundo da ansiedade reside o medo: de desagradar, de sentir culpa, de entrar para a história com uma enorme mancha na biografia, de não ser bem quisto nos memoriais que levam seu sobrenome, de morar, enfim, na contradição dos próprios princípios.

Mesmo assim, a frase ora citada faria sim algum sentido, como corpo introdutório de uma análise aprofundada de meus passos à frente do conselho. Faria sentido apontar a minha falta de formação como possível causa deste ou daquele erro como presidente. O problema é que temos, no mesmo comentário, nada mais do que a pretendida ofensa, sem quaisquer análises que demonstrem um mínimo de conhecimento do que representei enquanto presidente do Conselho Municipal de Educação, durante o período que esta cadeira ocupei, por ocasião de desligamento da então presidenta.

Minha primeira preocupação foi organizar tudo o que encontrei: de um mero “recebi” escrito à caneta e assinado, elaborei um protocolo de envio e recebimento devidamente numerado e registrado nas duas vias e no livro de protocolo correspondente. As resoluções, pareceres, portarias, ofícios… nada mais ficaria solto, a um passo de perder-se naquele armário sem chave, o único que nos deram. Agora, tudo seria colado em um livro de atos, e o primeiro ato a ser colado foi o novo regimento interno, inteiramente reformado após desmembramento do conselho que administra o FUNDEB. Porém, nada se faz sozinho, mas com ajuda de outros, com conhecimentos e experiências específicas: acionei o já existente poder de instituir comissões formadas por conselheiros e membros externos, das quais consegui botar pra funcionar a CINESC – Comissão de Infraestrutura Escolar, responsável pelas tradicionais visitas dos conselheiros às escolas. Com ajuda da Donc – De Olho Na Cidade, os trabalhos contavam, agora, com ajuda de advogado, arquiteto e engenheiro civil, tudo para garantir que nada deixasse de ser fiscalizado da maneira mais técnica possível. Aqui talvez o leitor encontre resposta à pergunta “por que o prefeito se incomoda tanto com um simples ex-presidente de conselho?”.

Os conselhos participativos são órgãos de exercício da cidadania, onde a recompensa é a própria participação nas decisões que envolvem o município, e por isso mesmo, não cabe remuneração em dinheiro. A toda decisão do departamento caberia uma consulta prévia ao conselho. Caberia, reforço: todas as 7 resoluções que foram publicadas na atual gestão, durante meu período de presidente, só chegaram ao conhecimento dos conselheiros quando já publicadas em diário oficial, e disso esteve ciente o Ministério Público, que solicitou ao executivo que não mais fosse feito dessa forma. Com o princípio da gestão democrática sendo reiteradamente desrespeitado desde sempre, elaborei anteprojeto de lei para regulamentar tal princípio, segundo previa a legislação que criou o Sistema Municipal de Ensino. O texto foi solenemente ignorado.

O que ocorre no interior um homem quando, guiado pelo próprio ego, eivado pela necessidade de dizer a si mesmo “sou o melhor”, contradiz seus inúmeros discursos de amigo da democracia, tornando-se ferrenho adversário do que mais democrático há em uma cidade?

O chefe do executivo corre o risco, desde a posse, de tornar-se monocrata, quase um ditador, se não lembrar e praticar constantes exercícios que o levem à raiz de seu mandato: o voto.

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