Fruto de proposta da petista Benedita da Silva, legislação vai de encontro a ideias de Bolsonaro, como a de que mulheres deveriam ganhar menos porque engravidam

A portaria Nº 620 do re-criado Ministério do Trabalho, assinada por Onyx Lorenzoni na data de ontem (1º), proíbe que a empresa exija comprovante de vacinação tanto para contratação como para demissão do trabalhador. O ato administrativo almeja regulamentar a Lei 9029, de 13 de Abril de 1995, porém o diploma legal sancionado por Fernando Henrique Cardoso trata apenas de casos de esterilização, estado de gravidez e demais controles de natalidade. Veja a diferença entre os textos:
Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:
I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;
II – a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem;
a) indução ou instigamento à esterilização genética;
b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS)
Lei 9029, de 13 de Abril de 1995
Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, nos termos da Lei nº 9029, de 13 de abril de 1995.
[…]
§ 2º Considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação.
Portaria MTP Nº 620, de 1º de Novembro de 2021
Em 2015, o então deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi na contramão do que diz a lei que hoje é utilizada por seu ministro: disse que mulheres deveriam ganhar salários menores porque engravidam. O projeto vem de 1991, pelas mãos da deputada Benedita da Silva (PT-RJ). A ex-governadora argumentou:

O objetivo deste projeto de lei, que ora submetemos – a apreciação dos ilustres congressistas, é coibir práticas altamente discriminatórias e injustas para com as melhores trabalhadoras. A primeira delas diz respeito d exigência de exame ou atestados que comprovem a esterilidade ou gravidez de candidatas a emprego.
Não satisfeitos em se garantirem contra empregadas grávidas, alguns empregadores querem também a certeza da esterilidade como critério de recrutamento. Entendemos inadmissível essa discriminação contra a mulher, especialmente num momento em que a própria Constituição reconhece a função social da maternidade, a ser amparada e protegida.
Justificativa do projeto de lei 229/1991, da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ)

Eu sou liberal. Defendo a propriedade privada. Se você tem um comércio que emprega 30 pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres.
A mulher luta muito por direitos iguais, legal, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas.
Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? “Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade…” Bonito pra c…, pra c…! Quem que vai pagar a conta? O empregador. No final, ele abate no INSS, mas quebrou o ritmo de trabalho. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, ou seja, ela trabalhou cinco meses em um ano
Por isso que o cara paga menos para a mulher! É muito fácil eu, que sou empregado, falar que é injusto, que tem que pagar salário igual. Só que o cara que está produzindo, com todos os encargos trabalhistas, perde produtividade. O produto dele vai ser posto mais caro na rua, ele vai ser quebrado pelo cara da esquina.Eu sou um liberal, se eu quero empregar você na minha empresa ganhando R$ 2 mil por mês e a Dona Maria ganhando R$ 1,5 mil, se a Dona Maria não quiser ganhar isso, que procure outro emprego! O patrão sou eu”.
Jair Bolsonaro, 2015
Advogadas divergem
Fernanda Lorca defende a portaria argumentando que a exigência do cartão de vacinação, tanto para admissão quanto para demissão é prática discriminatória semelhante à ocorrida com as mulheres grávidas, uma vez que a vacinação não é obrigatória no Brasil, nem mesmo para elas. É nesse paralelo, conclui, que se encaixa o cabimento legal do ato de Onyx. Já para Bruna Soares, como é uma forma inferior, portaria não tem o poder de alterar uma lei.
TST
A presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministra Maria Cristina Pedruzzi, expediu ato onde é exigido comprovante de vacinação para ingressar na côrte, em clara sinalização política ao governo. O ministro Alexandre Belmonte a enxerga como inconstitucional, já que compete à União (em seu legislativo) e não somente ao Ministério do Trabalho legislar sobre direito trabalhista, conforme o Art.22, I da Constituição Federal. Tanto o TST quanto outros órgãos do judiciário têm se manifestado em favor da exigência do comprovante vacinal.
Na época da aprovação do PL 229, Bolsonaro era membro da Comissão de Trabalho e Serviço Público da Câmara dos Deputados.
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