Ao todo, foram concedidos 25 anos de registro do fármaco para a produção militar. Além do exército, suplente do líder do governo no congresso também possui registro.

Foto: Laboratório Químico Farmacêutico do Exército
Dados oficiais indicam que o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército possui um registro ativo na Anvisa do antimalárico composto por Dicloridrato de Cloroquina e Difosfato de Cloroquina. A autorização foi dada no ano 2000 e vai até 2025.
Até 2019, a média da produção de cloroquina no exército era de 125 mil comprimidos por ano. Com o advento do lobby bolsonarista para que se usasse a cloroquina contra a COVID-19, mesmo após estudos atestando sua ineficácia, a produção saltou para 3,2 milhões de comprimidos em 2020, por ordem do próprio presidente, feito que só foi possível com a redução de 1/3 na produção de micofenolato de sódio, usado em transplantes. Em velocidade normal, 26 anos seriam necessários para produzir tal quantidade do antimalárico, ou seja, seria necessário novo registro junto à Anvisa. Hoje, cerca de 219 mil comprimidos estão parados no estoque. Em julho do ano que vem termina o prazo de validade, e os comprimidos que restarem terão de ser incinerados.
O exército ainda possui mais 13 fármacos registrados, mas a cloroquina será a primeira a ter seu registro expirado. Além dela, os militares são proprietários dos papeis de mais um Antimalárico: trata-se da Mefloquina, cujo registro vence também em 2025.
O outro registro desta substância também foi obtido em 2000, mas vence apenas em 2029, por uma empresa que também comercializa Ivermectina, a Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos, do suplente de Senador Ogari Pacheco (DEM-TO). Bolsonaro já foi à inauguração de uma planta de laboratório da farmacêutica, ocasião em que aproveitou para elogiar a “coragem” do bolsonarista. Em Abril, a empresa de Ogari foi multada pela Anvisa em 1,3 milhão por vender medicamentos acima do preço permitido. Com o advento do ‘kit covid’, a Cristália viu sua receita aumentar em 25%, chegando a R$ 3 bilhões.
Os profissionais por trás dos tratamentos ineficazes
O site medicos pela vida covid-19 reúne profissionais que defendem a prática que já recebeu nomes como ‘tratamento precoce’, ‘tratamento preventivo’, ‘tratamento inicial’ e ‘tratamento reposicionado’, utilizando fármacos como Hidroxicloroquina, Azitromicina e Ivermectina, alvos de estudos que terminaram por concluir sua ineficácia contra a COVID-19.
O site também apresenta notícias defendendo o Conselho Federal de Medicina, cujo presidente já declarou que o órgão apoia Bolsonaro, além do bolsonarista Alexandre Garcia, demitido da CNN por espalhar inverdades sobre os remédios ineficazes no quadro “Liberdade de Opinião”.
Algumas matérias linkam para estudos científicos protagonizados por nomes controversos. Os artigos científicos estão todos em inglês, o que facilita a desinformação. Um deles é notório pela metodologia empregada, não reconhecida como crível pelo Ministério da Saúde: ao invés de realizar ensaio clínico para testagem da Hidroxicloroquina, ocorre um apanhado de vários trabalhos sobre o tema na literatura médica. Ao ser citado no site, nada disso é informado, e o estudo é creditado como já revisado por pares.
Existem módulos ditos de “formação”, onde aparecem médicos investigados pela CPI da COVID, como Nise Yamaguchi. Há também uma lista para quem deseja encontrar médicos que receitam as drogas, separada por estados.
Dra. Lucy Kerr

Seu portal possui uma aba dedicada exclusivamente à hipnose, inclusive com formulário para agendamento de sessões. Nesta seção existem artigos, defendendo substituir medicamentos como anti- depressivos e anti psicóticos pela hipnose, além do uso da técnica para o emagrecimento. Em outro, critica o método de apuração das pessoas vacinadas feito pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA para argumentar que o número de vacinados com a COVID-19 é maior do que o informado.
Kerr foi palestrante em evento que celebrava o “Dia Mundial da Ivermectina”.
Possui também cursos sobre ultrassom e sobre tireóide
Paolo Zanotto

O professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP apareceu no vídeo do gabinete paralelo divulgado pela CPI, em que profissionais alheios ao ministério da saúde eram usados por Bolsonaro para balizar a narrativa do kit-covid.
“Acho que minha participação [na CPI] é importante para esclarecer a natureza de minha consultoria, demandada pelo assessor científico do Executivo (parte de minhas funções de extensão, já cumpridas para governos anteriores) e as distorções nas narrativas divulgadas pelo Metrópoles, que falsificou informação, fazendo uso inclusive de um suposto laudo pericial fabricado pelo professor Nelson Massini [docente de Medicina Legal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. Como isso afeta diretamente o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério de Saúde, esse incidente está sendo investigado pelo Ministério da Saúde etc.”
e entrevista ao ADUSP
No dia 21/6, o Centro Acadêmico Rosalind Franklin (CARF), da(o)s aluna(o)s do ICB, publicou nota na qual expressa repúdio “às ações tomadas pelo docente Paolo Marinho de Andrade Zanotto durante a pandemia de 2021 e à decisão tomada pelo Conselho Técnico Administrativo de deferir seu pedido de afastamento por 2 anos”.
Já a Associação de Pós-Graduandos do ICB (APG-ICB USP) publicou carta aberta com abaixo-assinado no dia 24/6 na qual afirma que a liberdade de expressão não pode violar “outros direitos igualmente importantes, como o direito à vida”.
Referindo-se à pandemia, o documento sustenta que “a propagação intencional de conceitos negacionistas como ‘imunidade de rebanho’ por infecção e tratamentos precoces por medicamentos cientificamente ineficazes para Covid-19, como defendida por alguns membros da comunidade médica e científica, sem o respaldo de evidências foi diretamente responsável pelo atual descontrole da pandemia no Brasil e atraso na campanha nacional de imunização, levando à morte de mais de 500.000 pessoas sob a face de uma política genocida”.
“Critiquei a ciência dele [Zanotto], mesmo não sendo da área, porque tenho estudado as coisas que se referem à Covid-19 e fiz postagens contra o tratamento precoce, o uso de ivermectina, o fato de ele publicar gráficos muitas vezes sem autoria, descontextualizados e não atualizados mostrando relações entre queda de casos de Covid-19 e tratamento precoce. […] . É verdade que não sou da área, mas sei ler um gráfico.”
professor Sean Purdy, docente do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
Nise Yamaguchi

O site Brasil de Fato utilizou o Portal da Transparência para constatar que o governo federal gastou R$3057,20 para levar a oncologista e imunologista a um evento que inauguraria o “Dia do Tratamento Precoce”. No fim das contas, o evento acabou sendo cancelado. Junto com outros médicos negacionistas, o valor da despesa soma R$11.248,67. O Ministério da Saúde chegou a anunciar a nova data:
“O Ministério da Saúde lança no mês de outubro o ‘Dia Nacional da Conscientização para o Cuidado Precoce’. A data é mais um marco da campanha #NãoEspere, que reforça a importância das medidas de prevenção recomendadas pela pasta no enfrentamento à Covid-19. O objetivo é garantir o direito e acesso da população ao tratamento precoce e evitar o agravamento da doença, reduzindo complicações, internações e óbitos.”
texto do ministério da saúde
Luciano Hang

Foto: Sinduscon – Brusque
O grupo “Médicos pela Vida” já recebeu apoio de um coletivo denominado “Empresários em Ação”, do qual faz parte o empresário bolsonarista Luciano Hang, alvo da CPI da pandemia no Senado Federal. Hang é acusado de ser conivente com uma adulteração no registro de óbito de sua própria mãe, onde retirou-se a COVID-19 das causas para encobrir a ineficácia das drogas bolsonaristas, para compra das quais Luciano e seu grupo já pediram doações à meta de R$ 1 milhão. A conta e o pix divulgados para que as pessoas enviassem dinheiro era de titularidade do próprio empresário bilionário. Segundo informou, porém, “a conta nunca foi utilizada pelo empresário e foi disponibilizada para doações”.
Alessandro Loiola

Deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL) e Alessandro Loiola. O vídeo da imagem foi removido pelo Youtube por desinformação.
Loiola já foi divulgado pelo facebook do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL) em um vídeo onde desinformava que as vacinas de RNA mensageiro seriam capazes de alterar o DNA dos vacinados. Ao contrário do que é dito, não existe nenhum papel científico que tenha chegado à conclusão de que vacinas causam câncer ou alteram o DNA.
Roberta Lacerda

Foto:98 FM (Reprodução)
Sem qualquer estudo que embasasse sua afirmação, a antivacina e defensora do “tratamento precoce” disse que crianças vacinadas contra a COVID-19 perderiam 30 anos em expectativa de vida. Roberta também repetiu o boato do câncer causado pelo imunizante:
“Uma parte morrerá. Uma parte será lesada permanentemente. Uma parte ficará infértil. Eu postulo que o tempo de vida dessas pequenas vítimas que sobrevivem será reduzido em 30 anos por causa do câncer e doenças auto-imunes.”
entrevista para 98 FM natal
Questionada pelo procurador da República Wellington Saraiva, Lacerda afirmou que “Não são teorias. São fatos.”, embora antes disso tenha se negado a apresentar o embasamento técnico dizendo que “será respondido em fórum adequado”. Ela advoga que pessoas abaixo de 30 anos não devem ser vacinadas.
O que os estudos sérios dizem?

Um paper assinado por 30 cientistas – a maioria da Universidade de Washington – e publicado em março desse ano no Annal Papers of Medicine testou a hidroxicloroquina em 407 indivíduos e manteve outros 422 como grupo de controle. Ao final do estudo, 53 pacientes do grupo da hidroxicloroquina testaram positivo, contra 45 do grupo de controle, fator considerado inexpressivo pelos pesquisadores. Quanto aos efeitos adversos, foram relatados em 46 (10,9%) no grupo de controle e em 66 (16,2%) dos pacientes tratados com o medicamento, 3 dos quais sofreram de efeitos graves e consistentes com as reações adversas já conhecidas da Hidroxicloroquina . A conclusão foi que “este rigoroso estudo randomizado controlado entre pessoas com exposição recente excluiu um efeito clinicamente significativo da hidroxicloroquina como profilaxia pós-exposição para prevenir a infecção por SARS-CoV-2”.
Outra pesquisa, dessa vez realizada por 21 pesquisadores da Universidade de Minessota, avaliou um universo de 1483 profissionais da saúde e conclui que “a profilaxia pré-exposição com hidroxicloroquina uma ou duas vezes por semana não reduziu significativamente a doença COVID-19 ou compatível com COVID-19 confirmada em laboratório entre os profissionais de saúde.”. O resultado levou em conta a concentração do medicamento no sangue dos analisados, que não apresentou diferença entre infectados e não infectados.
Um terceiro estudo analisado, esse do The Scripps Research Institute esclarece que a Hidroxicloroquina é sim capaz de inibir a infecção pelo Sars-Cov2, mas somente em células cultivadas em laboratório. No corpo humano, a entrada do vírus nas células ocorre através de uma enzima não afetada pelo medicamento, a TMPRSS2.
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