Ministro do STF assinou a lei de importunação sexual enquanto Temer estava em Nova York. Projeto surgiu após homem ejacular no pescoço de mulher e sair impune.

Ganhou repercussão nos últimos dias o vídeo filmado em Palmas-PR no último dia 26, onde a estudante de direito Andressa Lustosa, de 25 anos, aparece andando de bicicleta quando um gol branco de aproxima e um homem sentado no banco do carona estica o braço e coloca a mão em sua bunda. Não bastasse o abuso, o ato fez com que a jovem caísse da bicicleta e se machucasse. Autor e co-autor (motorista) foram presos por importunação sexual e lesão corporal.
A lei que acrescenta o crime de importunação sexual tem algo de inusitado: foi sancionada por Dias Toffoli, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, que na data ocupava o cargo de Presidente da República por ocasião de viagem de Temer à Nova York. Publicada a Lei 13.718, de 24 de Setembro de 2018, passava o código penal a possuir o Artigo 215-A:
“ Importunação sexual
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.”

O texto surgiu em 2015, quando a Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB -AM) apresentou projeto de lei que colocaria no código penal o estupro coletivo. Na justificativa do projeto, a Senadora conclama:
“Não se pode mais tolerar tamanha brutalidade. É preciso punir, de maneira diferenciada e exemplar os responsáveis por esses delitos.”

O que conhecemos hoje por importunação sexual veio da soma de duas proposituras: a primeira de 2015, do Senador Humberto Costa (PT-PE), conhecido hoje por integrar a CPI da COVID. O texto previa a inclusão do delito de “Constangimento ofensivo ao pudor em transportes públicos”, que ao final transformou-se em “Molestamento, importunação ou constangimento ofensivo ao pudor”.

O segundo projeto de lei data de 2017, da senadora Marta Suplicy (MDB-SP), para incluir no código penal crime denominado “molestamento sexual”, já que atos que não chegavam às vias do estupro eram arquivados pela justiça, a exemplo de Diego Ferreira Novais, de 27 anos. Naquele ano, Diego foi preso em flagrante por ejacular no pescoço de uma passageira no ônibus e solto no dia seguinte. O juiz Eugênio Amaral de Souza entendeu que o ato “não causou constangimento, tampouco violência ou grave ameaça”. Diego já tinha 17 passagens pela polícia por crimes sexuais. O caso foi o estopim para que Marta protocolasse o projeto de lei, conforme ela mesma justifica:
“Assistimos na cidade de São Paulo, nesse último fim de semana, mais um lastimável episódio de violência sexual contra as mulheres. O ofensor era indivíduo já conhecido no meio policial, apresentava diversas outras passagens por delitos sexuais semelhantes e, mesmo assim, encontrava-se solto por ordem da justiça brasileira.
O fundamento utilizado pelo juiz para não prender provisoriamente referido ofensor está associado a um problema de tipicidade do crime de estupro do art. 213 do Código Penal, lacuna esta que pretendemos suprir com o presente projeto de lei.
É inadmissível que atos violentamente ofensivos e com possíveis graves repercussões para a saúde mental e a autoestima da vítima, como o que ora mencionamos, sejam enquadrados como mera contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, cuja pena prevista em nosso ordenamento pátrio é de multa.”

No ano anterior ao episódio, um levantamento já constatava que 40% das mulheres acima de 16 anos já sofreu algum tipo de assédio.
A junção dos textos, resultando na “importunação sexual”, bem como junção ao projeto que antes apenas falava de estupro foi feita pela Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, sob relatoria da Deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), bacharela em direito. A data oficial do que podemos chamar de “nascimento” do termo no legislativo é 05 de Setembro de 2017. Laura escreve:
“Cremos ser de fundamental importância dar uma resposta a todos os casos de importunação sexual que vêm sendo relatados todos os dias nos jornais, provocando grande comoção social, e aos quais a lei penal não tem dado suficiente resposta. “
Todo o histórico de modificações talvez não tenha ajudado: a advogada Angélica Pingnatari vê na lei um texto genérico, passível e gerar lacunas na aplicação aos casos concretos, além da frequente impunidade gerada pelo machismo estrutural. Angélica crê que essa deficiência só será sanada se a máquina pública for ‘chacoalhada’ com cada vez mais denúncias, forçando o legislativo a melhor detalhar os crimes sexuais no código penal que é de 1940 e está “altamente defasado”. A especialista orienta a mulher a procurar a delegacia local munida de provas e testemunhas. Caso haja uma delegacia da mulher, é preferível que a ela se recorra. Por fim, são citados exemplos de situações onde pode-se buscar justiça contra a importunação sexual:
“Em bares, ônibus, vias públicas, ambientes de trabalho ou até mesmo dentro de casa, uma passada de mão sem a autorização da vítima, uma puxada de cabelo com intenção sexual (não agressão, que é outro crime), uma “encochada”, uma cantada ofensiva e invasiva, principalmente quando acompanhada de gestos, um beijo “roubado”, colocar algo na bebida da outra pessoa para que ela perca a consciência e pratique e seja mais fácil de praticar qualquer ato de cunho sexual com ela, masturbar-se próximo a alguém utilizando a vítima como objeto de estimulação sexual, são formas de importunações sexuais.“
Angélica Pingnatari, OAB/SP 325.979
Deixe um comentário