Profissional da área fala sobre a amplitude da abordagem, que pode até mesmo ser recurso para casais já separados resolverem suas pendências.

Kátia da Silva Muchão CRP 06/42588 é psicóloga especializada em terapia de casais. Ela utiliza a Terapia Cognitivo Comportamental, que faz uma conceitualização cognitiva seguida da criação de estratégias para atingir objetivos específicos na relação. Como a ideia é sempre garantir o melhor para cada um, a terapia individual é recomendável como complementação a esta. É ,em alguns casos, o próprio terapeuta individual que encaminha para o tratamento do casal, e neste, por sua vez, há sempre o questionamento: “você já faz terapia individual?”. As duas abordagens acabam por se retroalimentar.
A terapia de casal “pode ser indicada, por exemplo, para casais que nem são casados, que estão ainda pensando, começando uma relação, na fase ainda do namoro. O outro polo também se aplica: para casais que já decidiram se divorciar.” Até mesmo os divórcios já consumados têm por que estar juntos na sessão, já que “a terapia de casais pós-divórcio propicia alinhar uma série de questões“, como a nova vida onde uma criança será, agora, filha de pais separados, além de processos de adoção, dentre outras.
Na separação, aliás, há o processo da superação do rompimento, comparado ao do luto. Acompanhando como estudiosos definem as fases do luto, podemos estimar as fases do rompimento. Se a maioria, hoje, fala de cerca de 5 fases de 6 meses cada uma, é nessa base que se espera que cada indivíduo supere a morte de uma relação. Porém, a psicóloga ressalta o quão pessoal é essa temporalidade.
Juntam-se aos possíveis pacientes também os trisais e relacionamentos abertos, tanto para entender suas próprias emoções quanto para lidar com preconceitos.
“Inclusive alguns trisais têm dificuldade em abrir pra família esse tipo de relação que eles concordaram, então às vezes eles buscam a terapia de casal para evoluir essa questão de como se é importante abrir para as pessoas ao seu redor ou não.”
Pandemia
Na pandemia o trabalho aumentou. O “convívio forçado” fez com que os conflitos se acentuassem ainda mais. Kátia calcula que a ocupação de sua agenda com casais saltou de 30% para 70% com a chegada da COVID. O dado ganha molho quando ela nos conta que, geralmente, os casais que chegam ao consultório “já tentaram de tudo”.
“Eu tive uma procura por ajuda muito grande.”
Apesar disso, não é a pandemia em si a responsável pelos conflitos, segundo a especialista. Ela entende que o contexto de isolamento apenas obrigou os casais a resolverem conflitos não terminados ou diferenças que ainda não haviam sido notadas, e se antes “as pessoas acabavam empurrando com a barriga esses dilemas”, agora “tiveram que olhar para a relação”. A proximidade, longe de um dano, tem efeito positivo para avaliar e sanar conflitos, desde que corretamente abordados.
“A pandemia vai fazer com que as pessoas se resolvam.”
A convivência como um problema
A paixão, segundo neurologistas, dura cerca de 2 anos. É nesse momento em que você “fica meio cego, totalmente encantado com a pessoa.”. Aqui há uma reflexão importante: a psicóloga acredita que há, “por incrível que pareça, é até um paradoxo”, muito mais de razão do que de emoção no amor. Frases típicas como “deixa que as coisas se ajeitam com o tempo” ou deixa que um cuida do outro” não refletem toda a complexidade de uma vida a dois:
“Há uma visão muito romântica, de que não precisa fazer muito esforço para se manter uma relação. […] É uma visão muito limitada. “
[…]
Tem que usar a racionalidade o tempo todo. O relacionamento amoroso não foge à regra de qualquer outra relação: tem que haver acordos, tem que haver projetos, tem que haver metas, tem que haver objetivos em comum. O que move qualquer relação são objetivos em comum.”
É nesse contexto que entra a necessidade do planejamento e a possibilidade de ceder em determinados momentos, pelo bem do casal. O excesso da visão romantizada em cima da prática pode levar a relacionamentos tóxicos e mesmo abusivos. Se antes da pandemia já havia toxicidade, com ela tudo se aflorou, justamente pela proximidade.
Qualidade de vida e Autoconhecimento
Quando procurar a terapia de casal? Segundo Kátia, “quando você perceber que não está tendo qualidade de vida.”
“Eu costumo usar muito esse termo, porque acho que é o melhor que se traduz. É quando você percebe que você realmente não está feliz, quando você percebe que o seu parceiro ou parceira não está feliz.”
A meta a se alcançar,portanto, é a qualidade de vida dos envolvidos, e “qualidade de vida é muito mais do que um casal ficar junto ou não.”. A prioridade, portanto, é que individualmente se alcance a qualidade de vida, independente de estar junto ou não. “A terapia de casal não salva casamento.”, é o que deixa claro aos novos pacientes, mas devolve a saúde emocional aos dois, devolvendo a fluidez, através da resolução do que estava “truncado”.
“O casal é feito por unidades que vão viver juntas, não tem aquela história da metade da laranja”. O auto-conhecimento se faz necessário para entender a posição dos dois na vida um do outro, para que sejam inteiras, e não complementares. Entendendo “o que eu suporto?” é possível determinar até mesmo o momento em que melhor mesmo é terminar a relação.
“Todo mundo vai ter pontos fracos e pontos fortes, é normal. Eu tenho que perceber que quando entro em uma relação, vou lidar com os pontos fracos meus e da outra pessoa. […] Existem pontos fracos que eu não vou conseguir suportar: aquilo já passou do meu limite, do tolerável. Aí que entra a separação. O autoconhecimento é a parte principal para uma relação ser saudável.”
Os casos delicados
Ao contrário da minha suposição ao elaborar a pergunta, casos mais sérios, de agressão por exemplo, não são raros de se chegar ao consultório. Diante disso, a profissional precisa fazer ” todo um trabalho de investigar como está” o problema, se chegou e quando chegou ao ponto da agressão física e “deixar bem claro que se isso continuar, eu tenho que denunciar”.
” Aí eu tenho, eticamente falando, respaldo do Conselho de Psicologia para quebrar sigilo.”
Kátia me relata que acontece inclusive de o próprio agressor buscar a terapia, tentando entender e cessar o comportamento. Nesse caso, indica-se a terapia individual para os dois.
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