Regra sancionada por Emílio Médici durante a ditadura levanta várias frentes de interpretação, mas veda expressamente uso da bandeira como ‘roupagem’. Outros países têm legislação mais dura para o respeito ao símbolo.

O professor Marcelo Válio, pós-doutor em direito pelo Universidade de Messina (Itália), aproveitou o caso ocorrido às vésperas de 07 de Setembro, quando o desembargador-presidente Carlos Eduardo Contar. ordenou o hasteamento da bandeira do Brasil Império na sede do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, para falar da apropriação dos símbolos nacionais por parte de movimentos de extrema-direita em todo o mundo, especialmente no Brasil. No caso do TJ-MS, acabou que Luiz Fux mandou retirar a bandeira, argumentando que “a manutenção da situação relatada tende a causar confusão na população acerca do papel constitucional e institucional do Poder Judiciário, na medida em que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul pretende diminuir os símbolos da República Federativa do Brasil.”.
O professor classifica o ato de usar um símbolo de toda uma nação como símbolo de uma parte dela como “moral, ilegal e inconstitucional”, evocando a Constituição Federal em seu artigo 13, que fixa a bandeira como símbolo da República Federativa do Brasil. Válio cita também a Lei dos Símbolos Nacionais, de 1971, que em seu artigo 31 estabelece:
Art. 31. São consideradas manifestações de desrespeito à Bandeira Nacional, e portanto proibidas:
I – Apresentá-la em mau estado de conservação.
II – Mudar-lhe a forma, as côres, as proporções, o dístico ou acrescentar-lhe outras inscrições;
III – Usá-la como roupagem, reposteiro, pano de bôca, guarnição de mesa, revestimento de tribuna, ou como cobertura de placas, retratos, painéis ou monumentos a inaugurar;
IV – Reproduzí-la em rótulos ou invólucros de produtos expostos à venda.
Lei Nº 5.700, de 1º de Setembro de 1971
Em manifestações, é comum ver a bandeira nacional sendo “vestida” nas costas de muitos, ou mesmo camisetas feitas ‘de bandeira’, contrariando o que manda o inciso III. O ato, visto pelo espírito da lei em questão como desrespeitoso, pode acarretar multa.

Contudo, não é tão simples punir tal apropriação indevida em parte porque, segundo o especialista, tal desrespeito não é, em regra, interpretado como crime, mas como uma simples contravenção, um ‘ponto fora da curva’, por assim dizer. De fato, segue-se no texto da mesma lei:
Art. 35 – A violação de qualquer disposição desta Lei, excluídos os casos previstos no art. 44 do Decreto-lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, é considerada contravenção, sujeito o infrator à pena de multa de uma a quatro vezes o maior valor de referência vigente no País, elevada ao dobro nos casos de reincidência.
Lei Nº 5.700, de 1º de Setembro de 1971
É impossível, em outra frente, impedir a candidatura de representantes desses movimentos, apenas no caso dos mesmos investirem na “tentativa de criação de movimento paramilitar e antidemocrático”. Mesmo assim, juntando-se os fatos, é possível reforçar a tese de prática de crime de responsabilidade por parte, por exemplo, do presidente da república.
Quem contrapõe essa interpretação é a advogada Izabelle Paes, especialista em direito público e eleitoral. Ela concorda que o uso da bandeira como roupagem configura desrespeito à lei, mas quanto ao uso ideológico em si, chama a atenção pro artigo 10 da mesma lei, que afirma que “a Bandeira Nacional pode ser usada em tôdas as manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros, de caráter oficial ou particular”. Mesmo no direito eleitoral, apesar de haver legislação proibindo símbolos e frases associadas ou assemelhadas a órgãos de governo, o Tribunal Superior Eleitoral tem colocado nossa bandeira como exceção à regra. É diante de tudo isso que Paes entende que não há apropriação.
“A par das questões sociológicas do artigo, sob o ponto de vista estritamente legal, não há vedação para o uso da bandeira em eventos de manifestação, mesmo que de cunho politico.”
Izabelle Paes
Cenário Internacional

A maioria das nações apenas descreve suas bandeiras na carta constituicional, mas há casos mais elaborados como Portugal, que tem em sua constituição a bandeira fixada como símbolo da “unidade e integridade de Portugal”. A Espanha possui uma lei própria para sua bandeira, que proíbe seu uso em “símbolos ou siglas de partidos políticos, sindicatos, associações ou entidades privadas.” . O espanhol El País publicou, no ano passado, um curto artigo de opinião onde critíca pessoas que apropriam-se da bandeira para “fazê-la apenas sua”. É nesse mesmo tom que já se declarou, na junta eleitoral do país:
” O sentido destas proibições é a pretensão de deixar de fora do contexto eleitoral o que é patrimônio de todos os espanhóis, assim como evitar a apropriação, em benefício de um partido político, de um símbolo que é do conjunto da nação espanhola.
Uma das mais rígidas leis sobre o tema vem de Singapura: veda o uso do símbolo em qualquer marca registrada ou para qualquer finalidade comercial, como meio ou para fins de publicidade, em objetos decorativos, em veículos privados e até mesmo em atividades funerárias privadas. O governo considera que “a Bandeira Nacional deve ser tratada com dignidade e respeito em todos os momentos”. Aqui do lado, na Argentina, a situação é oposta: uma lei composta por 3 artigos dá o direito de usar a bandeira para uma série de entidades, incluindo “los particulares”.No México é permitido até mesmo que instituições inscrevam suas razões sociais sobre ela, desde que previamente autorizado pelo governo.
Os Estados Unidos da América cotidianamente vêem episódios de apropriação da bandeira, especialmente por parte de movimentos de supremacia branca e anticomunistas. A seita racista denominada Klu Klux Klan utilizou deste expediente durante seu auge no século passado.


O país vizinho, Canadá tem etiqueta muito parecida com o que se estabelece na já vista lei dos símbolos nacionais aqui do Brasil: veda o uso de sua bandeira vermelha e branca como decoração, além de nunca poder ser usada para cobrir uma estátua, monumento ou placa para uma cerimônia de inauguração e não admitir qualquer coisa fixada ou costurada, além de assinaturas ou quaisquer marcas ou o uso como forma de vestimenta.
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