Os sinais de alerta variam e podem enganar, mas são importantes para a prevenção.

Manifestações diretamente observáveis, que refletem um estado de alma e indicam a presença de uma crise suicída. O rol de sinais de alerta a se observar varia um pouco entre os especialistas, mas é possível enxergar pontos em comum que tornam a análise mais robusta.
Em 1994, nos EUA, suicidava-se Mike Emme, aos 17 anos. Mike tinha um Mustang 68 que ele mesmo reformou e pintou de amarelo. Em seu velório, cartões com fitas amarelas e a frase “Se você precisar, peça ajuda”, foram entregues. Anos depois, faz-se necessário olharmos para os sinais amarelos que podem prevenir uma tragédia como a de Mike.
Comportamento
O traço de comportamento mais apontado é a variação brusca no humor: de alegre para melancólico, de raivoso para calmo… Quando a gama de emoções parece transitar mais do que o comum, é hora de estar atento. A psiquiatra Priscila Zempulski Dossi (CRM-MS: 7271 RQE: 5944/5945) diz que é necessário analisar o contexto em que tais variações ocorrem. A doutora ainda alerta para as ‘melhoras súbitas‘, já que “felicidade repentina pode ser um sinal de que a pessoa já aceitou tirar a própria vida como algo natural e certo a se fazer e que não há impedimentos ou amarras de levar a intenção até o fim”. Junto com isso, conclui, podem vir as doações de vários pertences pessoais e momentos de aparente despedida dos familiares e amigos.
A irritabilidade também é frequente, tanto em forma de pensamentos de vingança quanto em raiva excessiva no dia-a-dia, muito ajudada pelas alterações no sono. A paciência fica mais curta, perdendo-se a qualquer momento e junto com isso vem a agitação. Ao contrário do que se pensa, não é apenas o humor ‘pra baixo’ que deve gerar preocupação: ansiedade e pensamentos obsessivos, acompanhados de uma visão mórbida da realidade também acendem o sinal amarelo. Segue-se da mudança de mentalidade o isolamento, que se faz independente do grau de proximidade com o outro: sendo familiar, amigo ou a coletividade de modo geral, o indivíduo prefere evitar o convívio.
Já é comum vermos filmes onde o protagonista, diante de um diagnóstico de doença terminal, resolve viver intensamente: pular de paraquedas, escalar o Everest, sair para se embebedar…. No contexto de quem tira a própria vida pode não ser tão diferente assim: o risco é uma variável a ser considerada. Se antes o indivíduo apresentava convivência harmônica com o risco, agora essa relação se torna mais intensa, e vai desde interesse repentino por esportes radicais até os perigosos comportamentos auto-destrutivos, como o uso abusivo de substâncias tóxicas, sexo indiscriminado e desprotegido, direção perigosa e a auto-mutilação, que leva a atenção de médicos e familiares para o corpo, principalmente braços. Tudo isso não exclui o abandono de atividades que, arriscadas ou não, eram vistas como prazerosas, conforme complementa o psicólogo Damião Silva (CRP 06/112384).
Maria de Lourdes Viana Ferreira (CRP 05/56855), especializada em psicoterapia para adultos, conta de um caso atual de autolesão, onde a paciente se fere não no contexto do comportamento arriscado de final de vida, mas como forma de tentar não pensar no suicídio. Diante de crise existencial e baixa auto-estima, tenta, junto com a terapeuta, buscar formas mais saudáveis de se esquivar do que insiste em voltar à mente.
Há que se acrescentar ainda o ambiente externo na avaliação, conforme lembra a especialista em psicologia clínica Gabriela Santana Vicente (CRP 05/57851), já que os chamados ‘eventos disparadores’ podem piorar um comportamento já tendente ao suicídio.
Fala
O falar de um suicida está repleto de desesperança, culpa e desabafos, conforme demonstra a psicóloga clínica Carmela Silvana da Silveira (CRP 06/99443). Ela aponta algumas frases importantes. A principal delas, segundo aponta, é “minha vida não tem mais sentido” , conforme concorda a Dra. Dossi, apontando uma variante que vai um pouco mais além: “nada vale a pena” . Silveira lembra de uma criança que lhe disse que “gostaria de dormir mil anos”. Nas crianças e adolescentes, aliás, os pais devem estar atentos a uma súbita redução no rendimento escolar, conforme descobriu estudo da Universidade do Algarve, em Portugal. Outras falas comuns, em qualquer etapa da vida, são:
- “vou desaparecer”
- “vou deixar vocês em paz”
- ” eu queria dormir e nunca mais acordar”
- “é inútil tentar fazer algo para mudar”
- “eu não vou conseguir”
- “eu só quero me matar”
- “ninguém gosta de mim”
- ” se eu for, ninguém vai sentir a minha falta”
- “eu sou um peso pra todos”
- “quando eu saio, não sei onde estou indo”
- “não sei o que estou fazendo aqui”
O próprio suicídio é tema recorrente, bem como a morte, surgindo relatos segundo Damião Silva, de uma “dor insuportável que unicamente a morte pode aliviar”. Gabriela Vicente sintetiza os conteúdos das falas de alerta como conversas sobre sentimentos que normalmente escondemos. Porém, não apenas o que é verbalizado importa. Os tempos mudaram, e com eles as formas de se comunicar. Postagens com conteúdo melancólico ou frases de efeito também devem ser motivo de alerta, e até mesmo pesquisas na internet, como lembra o psicólogo Alessandro Scaranto (CRP 06/156193), especialista em saúde pública e saúde da família. É ali, na internet, que a maioria dos suicídas escolhe seu método de tentar tirar a própria vida.
Estudiosos do tema lembram que alguns indivíduos apresentam tais traços sem nunca idealizarem suicídio, enquanto outros tentam ou o cometem sem apresentar qualquer sinal. O médico e psicoterapeuta Adilon Harley Machado (CRM-SP 170.641) acredita no dever da sociedade de não proliferar tanto o sentimento de inadequação quanto mitos como ” se falarmos de suicídio vai dar uma ideia pras pessoas” ou “quem quer morrer não ameaça”.É necessário, diante disso, procurar sempre ajuda especializada e entra aqui, conclui, a responsabilidade do estado nas políticas públicas de prevenção e tratamento.
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