Danilo Marinho, pernambucano de 41 anos, assessor de relações públicas, poeta ‘militante da palavra’, músico e artista independente. Escreve desde os 16 anos. Mora em barcelona desde 2018 e em 2020 auto-publicou o livro de poesias “Tambores en el Silencio”. Um dos poemas do livro, ‘(In)Estabilidade Emocional’, recebeu a menção honrosa no Festival de Poesia de Lisboa. Em novembro desse ano lançará seu primeiro álbum (disco) de poesias, também intitulado Tambores en el Silencio.

DANILO: Eu toco bateria, sou músico, e desde 2018 é que me considero poeta, militante da palavra.
VINICIUS: Você não tem nenhum tipo de vínculo com selos, com editoras, nada disso, você é independente….
DANILO: Independente de verdade. Quem faz as minhas coisas sou eu, quem paga a gravação dos discos sou eu, quem imprime as coisas sou eu, tudo artesanal, caseiro memo (sic) .
VINICIUS: E é lucrativo?
DANILO: Rapaz, não dá pra viver até o fim do mês com a grana que a gente ganha com os recitais. É mais pela causa memo, mais pelo ativismo cultural.
Claro que a gente tem o sonho de um dia, cedo ou tarde, conseguir viver da arte, pagar as contas com a arte, mas até lá a gente segue militando.
VINICIUS: E aí em 2020 você lançou um livro de poesias chamado ‘Tambores en el Silencio’. Sobre o que é?
DANILO: É um livro de poesias. Moro em Barcelona já faz 4 anos (sic.), mas desde os 16 que eu escrevo coisas minhas, poesias, em cadernos. E segui escrevendo, comecei a tocar bateria, mas deixava o caderno sempre ali na gaveta.
Quando cheguei aqui em Barcelona, em 2018, conheci um grupo de brasileiros, um deles é um cara de Recife também. A gente estava fazendo uma reunião por zoom, pois íamos fazer um evento, e aí ele disse:
“ô, velho, vocês que tem textos aí guardados na gaveta, por que vocês não colocam isso na rua, bixo?”
Aí eu pensei: “puts, é verdade velho, por que eu não pego os meus textos que tenho, algumas coisas que eu escrevi já estando aqui em barcelona…” E aí juntei esses textos, que falam basicamente de racismo, de imigração, do meio ambiente, relações sociais , preconceito, e das coisas sobretudo que eu vivi, que vivo, e compartilho isso através das poesias que escrevo nesse livro que se chama ‘Tambores en el Silencio’.
O livro, na realidade, é mais uma desculpa para seguir fazendo os recitais. O recital que eu faço tem um formato muito músico-teatral. Sempre convido outros artistas independentes. O último recital que fiz foi no espaço cultural aqui em Barcelona, teve a participação também de um artista visual brasileiro, uma escultora, também um músico brasileiro, guitarista, e teve a participação e colaboração de um cineasta da Colômbia, também imigrante. É um formato multidisciplinar, uma desculpa pra juntar a galera e fazer arte.
‘Tambores’ tá se transformando em um disco também, e a estréia dele tá prevista pro dia 19 de Novembro, e são as poesias gravadas como se fosse música, as que estão no terceiro capítulo do livro. Se chama ‘natura’ o projeto. ‘Tambores en el Silencio’ é um programa, digamos assim, do projeto ‘natura’, uma ferramenta dele, que estava em livro e agora vai estar em disco também.
VINICIUS: Como é a receptividade de um escritor brasileiro em Barcelona?
DANILO: Cara, eu achei, na realidade – não sei se é pelo fato de não ser daqui ou de ser brasileiro – ser estrangeiro e artista, eu achava que a receptividade ia ser mais complicada, mas na realidade não foi muito não. Não tenho muito do que me queixar não, porque nesses 4 anos que eu vivo, os dois primeiros foram mais de adaptação – adaptação burocrática, de horário, cultural – e nesse meio tempo fui construindo esse novo comportameno artístico que é de ser poeta. As coisas que eu sofria de preconceito racial, de preconceito linguístico, essas coisas eu fui incorporando dentro do livro, e a receptividade foi muito boa. O livro tá em português, castelhano e catalão, e isso me ajudou a abrir muitas portas no sentido da própria receptividade linguística e cultural.
Então eu diria que a receptividade foi bacana, eu nunca… claro, eu ouvia vários ‘nãos’ da galera, dizendo que a proposta é bacana, mas ‘em time que tá ganhando não se mexe’, já ouvi frases assim, mas ouvi menos frases assim do que “pô, cara, que massa! Vamo marcar tua apresentação no espaço ‘tal’?” E o espaço maior que eu apresentei aqui em Barcelona foi o Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB).
No próximo dia 10 de Setembro faço outro recital de poesia nesse mesmo formato multi-disciplinar, em um espaço que se chama ‘Espaço Artístico Contemporâneo’ (trad.), aqui num bairro de barcelona.
VINICIUS: Qual a diferença de mercado artístico e de oportunidades entre Brasil e Europa?
DANILO: Considerando o contexto brasileiro atual, eu diria que existe diferença brutal. É claro que a pandemia tá deixando todo mundo doido, tá deixando a galera fora da casa sim, mas aqui na Europa existem políticas públicas não só tão legais, mas que funcionam, no sentido de que existem um suporte governamental que minimamente ajuda o artista a sobreviver.
Mesmo antes da pandemia existia um mercado mais aberto ao diferente, por exemplo, é muito cultural rolar, toda semana, recitais de poesia, tem muito bar que tem apresentações de poesia, muito bar que tem programação de recitais de poesia. O próprio CCCB faz, a cada mês, um ‘poetry slam’, em um auditório para 700 pessoas. Existe uma agenda poética em Barcelona muito grande. Tem um coletivo que criou um grupo de whatsapp que se chama ‘poesia de emergência’, que [foca na pessoa que] está em casa de boa, sem fazer nada, chama esse número e a pessoa te atende e te lê umas poesias pra te resgatar do seu não ter nada pra fazer.
Eu não sei como está no Brasil, desses dois anos pra cá, o contexto poético-cultural no Brasil. Claro, a cabeça europeia funciona totalmente diferente da nossa, né, e te faz repensar e auto-reflexionar (sic.), te reconstruir como indivíduo fora da tua terra. Atualmente eu não faria essa comparação (Brasil vs Europa) porque é muito injusta. A gente tá vivendo um contexto político super surreal [no Brasil], e também aqui tem mais oportunidade nesse sentido.
VINICIUS: Você usou o termo ‘militante da palavra’. Que causas você inclui na sua arte?
DANILO: Sobretudo o racismo né, velho. Sou um cara negro que veio da periferia de Recife, e levo essa etiqueta pra onde vou, mesmo estando aqui na Europa sou um cara negro de cabelo Black Power, que fala mais ou menos castelhano, que fala catalão, e isso é uma rotina que eu tenho.
A principal é essa [o racismo], mas eu defendo muito a causa social no sentido de lésbica, trans, toda essa galera que entra no contexto racial. Também defendo muito a causa ‘meio ambiente’, Estar aqui na Europa me reconectou com a natureza. Quando eu falo natureza é natureza memo (sic.), é bicho, mato, floresta, mar, oceano, animais.
VINICIUS: Como é a diferença entre o racismo na Europa e o racismo brasileiro? Você enxerga diferença?
DANILO: Sim, enxergo. Tem movimentos negros e feministas interessantes aqui, mas eu acho que aí, nesses temas a gente está muito mais avançado, tem muito mais ferramentas e mais mobilização social nesse sentido, talvez até pelo tamanho e pela quantidade de gente negra que existe no Brasil. Aqui tem, Barcelona é uma cidade que tá muito perto da África, Espanha é um país que próximo da África, então gera essa proximidade geográfica e empática com a galera na África. Tem muito africano na Espanha e na Europa, em geral.
Eu vivi algumas experiências preconceituosas aqui.Não tão graves, mas já ouvi muita coisa meio que fora do contexto. A extrema-direita aqui na Europa também está muito forte. Existe um partido aqui na Espanha que se chama ‘Vox’, que tá querendo implementar políticas públicas declarada e abertamente anti-imigração, anti pessoas negras, anti-indígenas (sic.), anti tudo. Nesse sentido, os movimentos das minorias se articulam relativamente bem.
A diferença entre as questões raciais daqui e as questões raciais do Brasil é que a galera tem muito mais recurso pra se defender, muito mais ferramentas, no sentido capitalista da coisa memo (sic.): tem mais acesso à informação – querendo ou não a Europa é o centro do mundo né, bicho, então a gente está mais perto de onde a coisa funciona – e por essa proximidade geográfica a gente tem mais proximidade de acesso a determinadas informações que não chegam aí no Brasil e na América do Sul em geral. Eu diria que, nesse aspecto, a dinâmica é “melhor” em relação ao tema racismo.
Existe muita literatura africana aqui. Eu fiz uma apresentação em uma livraria que se chama ‘pan-africana’, que é exclusivamente literatura negra, e é um espaço cultural muito legal, muito interessante.
VINICIUS: Quais as características da arte africana em comparação com a cultura etnocêntrica ‘europizada’?
DANILO: Ela é autência. Uma das primeiras coisas que eu percebi quando estava caminhando aqui é que a galera africana, sobretudo marroquina e árabe em geral, andam com seus trajes culturais naturais, que usariam nos seus países de origem. Tu vê muita gente diferente, a galera se veste e se comporta como se estivesse no seu país.
Aqui eu trabalhei dois anos como educador social em centros para adolescentes que vêm da África pra cá, e a maioria são muçulmanos, então eles tem a sua cultura de rezar cinco vezes ao dia, abaixar a cabeça até o chão, botar a testa no chão não sei quantas vezes, fazem o ramadã – acabou inclusive, em Maio, o ramadã. Então isso está se naturalizando, e o que era uma coisa muito longe pra mim quando estava no Brasil, agora não tá tão longe.
É que no Brasil, como pessoa afro-descendente, a minha história foi meio eliminada, né, meio reprimida, e aqui eu tenho a oportunidade de resgatar essa memória afro-descendente.
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