Dymithria Borges, escritora, modelo publicitária, influenciadora digital e estudante de odontologia. A baiana de 21 anos é autora do romance ‘Minha vida em linhas’, sua primeira publicação, embora escreva desde a infância.
Sinopse
“Alice é uma jovem sonhadora, determinada, teimosa e muito inteligente. Quando finalmente decide ir atrás de um dos seus maiores sonhos, se depara com uma situação que vai mudar sua vida para sempre. Um romance repleto de lições, abordando inúmeros temas que ainda são considerados tabus sociais de forma leve, trazendo uma história de superação e um amor ardente, além de conflitos de autoconhecimento.”
Alice, na realidade, é o arquétipo de mulher real em plena evolução, diante de problemas familiares e da descoberta da própria sexualidade.


Em uma amigável ligação de 50 minutos – que depois de certo ponto deixou de parecer uma entrevista – me dei conta de que as duas gravações que ativei simplesmente sairam em branco. Felizmente, no ponto alto, liguei um velhinho ‘Galaxy Pocket’, que de quando em vez simplesmente desliga sozinho, e tive alguns trechos recuperados. O enquadramento gerado acidentalmente por essa falha técnica foi melhor do que o que eu planejei inicialmente para o texto.
DYMITHRIA: Geralmente quando um autor faz uma auto-publicação e tem um bom engajamento, as críticas são boas, o compartilhamento e o marketing é bacana, geralmente as editoras até procuram ele para um segundo trabalho com uma porcentagem maior, reconhecendo o mais trabalho desse artista. Mas isso é muito complexo, difícil e muito raro também de acontecer.
VINICIUS: Falando em espaço, a Alice é brasileira?
DYMITHRIA: Não, isso que é o complexo: ela é canadense.
VINICIUS: E foi aleatório ou você gosta muito da cultura canadense?
DYMITHRIA: Não conhecia a cultura canadense. Sonhei que ela era canadense, então acordei, pesquisei sobre os lugares, os costumes, e aí coloquei na Alice.
VINICIUS: Legal, veio mais essa parte mística do sonho…
DYMITHRIA: Foi muito detalhado, realmente, o sonho. Foi um sonho que eu fiquei muito perplexa.
VINICIUS: Você sonha de maneira detalhada com frequência?
DYMITHRIA: Sonho, mas pra dizer que o sonho realmente acontece, nem sempre é com a pessoa que eu estou sonhando, não sonho com precisão, as coisas são detalhadas, mas às vezes a pessoa só não é quem deveria ser.
VINICIUS: Essa prática de transformar sonhos em escrita… ela começou agora?
DYMITHRIA: Foi a primeira vez.
VINICIUS: Então esse sonho foi realmente ‘epopeico’…
DYMITHRIA: Foi extremamente marcante, do tipo que a gente realmente não pode deixar esquecer.
VINICIUS: O que me chama atenção é que o sonho, a gente esquece dele muito rápido. Você acaba de sonhar e tem que sacar o caderninho ou qualquer coisa e escrever.
DYMITHRIA: Foi o caso desse sonho. Eu tive que pegar o caderno, porque eu não queria esquecer.
VINICIUS: Eu imagino que parte disso foi o seu sonho, mas pra dar um livro inteiro você acabou que você desenvolveu mais, é isso?
DYMITHRIA: Isso, tive que desenvolver. Até determinado ponto do sonho eu coloquei no livro, e as demais partes eu tive que desenvolver da minha cabeça, da imaginação, dessas inspirações que eu te disse que acabo vendo na rua e colocando no papel.
VINICIUS: Interessante.
[pausei para formular mais perguntas, e eis que surge espontaneamente o que vem a seguir]
DYMITHRIA: Acho que é um ponto interessante que eu não mencionei. Eu te falei que quando eu comecei a escrever o livro eu perguntei à minha avó. Ela era cadeirante, e vivia com a gente já tinha 5 anos, na nossa casa, mas ela já era cadeirante. Ela acabou sendo internada, nesse período que eu comecei a escrever o livro, e ela tinha me dito…
“Quando estiver pronto eu quero ler”
Tânia Maria, Avó

… e nesse período que ela estava internada eu fiz o possível para produzir o máximo de conteúdo possível, para que quando ela saísse ela pudesse ler a obra. E eu acabei utilizando um pouco do boletim médico dela também para me inspirar em determinada parte do livro. E quando ela saiu do hospital, infelizmente, não foi pra voltar pra casa. Eu acabei pensando em parar de escrever, não estava animada… mas depois eu pensei que prometi a ela que entregaria essa obra pra ela, e mesmo não entregando a ela eu ainda sei que ela está orgulhosa, eu acredito muito nesse lado, e vou dedicar essa obra todinha pra ela também.
VINICIUS: Muito interessante essas obras que surgem em péssimos momentos, muito mais do que aquela que você está ‘na boa’ e para pra escrever.
DYMITHRIA: Nossa, sim. Parece que a tristeza cutuca o lugar que a gente não conhece dentro da gente. Traz à tona um monte de coisa que a gente nem sabia que existia.
VINICIUS: É uma situação bem complexa, que acabou servindo como mote. Mas eu imagino que até hoje ainda tenha esse lapso de você querer mostrar pra ela esse livro.
DYMITHRIA: Sempre. Inclusive dia 4 agora ela vai fazer 1 ano…um ano que faleceu, e eu fiz um ano que comecei a escrever agora no dia 25, três dias antes dela ser internada.
VINICIUS: Três dias antes dela ser internada você começou a escrever?
DYMITHRIA: Foi. Comecei a escrever três dias antes dela ser internada e depois dei uma pausa, porque ficou tudo muito complexo. E aí comecei a utilizar algumas informações da internação dela, pra poder agregar ao livro, e até mostrar pra ela a evolução. Eu estava querendo decidir o destino da personagem com base no destino dela, mas depois me arrependi e acabei mudando.
VINICIUS: Como foi continuar essa obra depois que ela faleceu?
DYMITHRIA: Muito difícil, precisei de uma semana pra me reestabelecer, e depois a obra acabou sendo a minha fuga da realidade. Eu acabava, me teletransportando para esse universo – de forma não literal, claro – pra poder buscar uma forma de me sentir melhor.
Eu passei por muitos problemas à partir do momento que ela faleceu: foi questão financeira, questão familiar… foi realmente um momento muito pesado, e a Alice me ajudou a superar isso.
VINICIUS: Enfim, fiquei até impressionado com tudo isso. Muito realeses que a gente recebe são bem bobos, bem fúteis mesmo, não tem uma história grande por trás, e às vezes a gente recebe uma história grande por trás. Mas às vezes a gente recebe uma história ‘de verdade’, por assim dizer.
DYMITHRIA: A gente tem muita coisa dentro desse baú…
VINICIUS: Muita coisa realmente.
DYMITHRIA: Eu até fiz um quadro no instagram, o ‘Dymhi por trás dos bastidores’, onde eu conto um pouco da minha história, da história da minha família, dessa questão do falecimento de minha vó, de tudo o que aconteceu que eu tive que superar, do início até o fim, e aí…
VINICIUS: Você morava com ela? Convivia com ela?
DYMITHRIA: Ela dormia no meu quarto.
VINICIUS: No seu quarto !?
DYMITHRIA: Sim, porque ela era dependente, ela era dependente física, então a gente tinha que dar o remédio na hora certinha, trocar fralda, mas ela falava normal, pensava normal, só não movia o lado esquerdo inteiro do corpo.
VINICIUS: Era sua parceira de quarto…
DYMITHRIA: Minha parceira de vida. Só que a gente só percebe as coisas quando a gente não tá mais com a pessoa do lado. Eu sinto que valorizei ela o suficiente, mas sinto que ela merecia muito mais.
VINICIUS: Sempre fica essa lacuna né…
DYMITHRIA: Sempre. A gente sempre pensa no que poderia ter feito pra ser melhor para aquela pessoa.
VINICIUS: E é, claro, uma dor muito forte. Eu imagino que nem todos os livros do mundo pra resolver. Mas você pretende escrever mais coisas?
DYMITHRIA: Já estou escrevendo. A Alice vai ser uma sequência, mas eu não estou escrevendo a sequência dela agora porque eu estou pensando em publicar uma nova história. Mas a história que estou escrevendo remete um pouco à época pós-medieval. Uma personagem tão forte quanto a Alice. Eu gosto muito de trabalhar figuras femininas.
VINICIUS: Seu repertório de espaço e tempo é bem variado.
DYMITHRIA: É muito.
VINICIUS: Você pesquisa essas culturas ou você vai mais pela história do personagem?
DYMITHRIA: Eu vou mais pelo meu sentimento. Eu me sinto inspirada por determinada coisa e isso me remete a uma época diferente. Por exemplo, essa história que eu comecei a escrever, eu me inspirei em um monumento que se localiza em um dos pontos turísticos da nossa cidade [ Jardim Suspenso do Campo Grande]. Então eu pensei, poxa, por que não chegar a essa época? Comecei a imaginar essa garota, que o nome vai ser – já vou dar um spoiler – Eleanor, um nome muito forte, uma garota poderosa, auto-suficiente, que teve que batalhar cedo pra poder ajudar a família. Perceba que cada história minha envolve uma mulher que evolui durante a história e que tem uma carga muito pesada de fragmentos, traumas. Isso traz um pouco de mim em cada personagem. Não digo que 100% do personagem tem a ver comigo, mas digo que essa questão da superação, da força, da busca pela mudança, eu coloco muito de mim.
VINICIUS: Sempre tem um pouco de você na personagem então…
DYMITHRIA: Isso.
VINICIUS: E da sua avó, tem um pouco?
DYMITHRIA: Tem um pouco da minha avó, tem um pouco da minha mãe, tem um pouco de mim.
VINICIUS: Que psicanalítico, um pouco dos sonhos… bem freudiano, impressionante…
DYMITHRIA: ‘Freudiano’ lembra meu irmão. Ele tem 13 anos e é apaixonado por Freud.
VINICIUS: Apaixonado por Freud… vai ser psicanalista talvez.
DYMITHRIA: Ele diz que sim, diz que quer. Ele é muito maduro pra idade dele, inclusive ele senta comigo e pensa “poxa, acho que essa característica, esse cabelo, essa altura, talvez tenha a ver com essa personagem, esse estilo de roupa”… ele discute comigo como uma pessoa adulta.
VINICIUS: Superdotação, ou sei lá, não sei como a gente pode chamar isso.
DYMITHRIA: Eu também não sei, mas ele é fora do comum.
VINICIUS: Você tem uma ligação muito forte com a sua família, não só com a sua avó que é a inspiração.
DYMITHRIA: Sim. É entre tapas e beijos mas a gente se ama muito hahahahahah.
VINICIUS: E você pega muito das suas famílias pra escrever né…
DYMITHRIA: Pra inspirar os personagens.
VINICIUS: Você também [como o irmão] parece ter altas habilidades.
DYMITHRIA: Não, eu não digo que eu tenho altas habilidades, eu digo que eu gosto de desenvolver diferentes aspectos da minha existência, não só por mim como também pelas pessoas, pra evitar talvez que elas passem por coisas que eu passei ou que eu já vi alguém passar. Então eu costumava reunir jovens no playground do meu prédio, e dava aulas por 15 reais cada um, que era o custo de impressão de todas as apostilas do mês inteiro. E aí eu corrigia as redações, enfim… todos eles estão fazendo faculdade atualmente… engenharia, arquitetura, enfim…
VINICIUS: Impressionante.
DYMITHRIA: Uma mão lavando a outra, né? A hummanidade tem que ter um objetivo pra continuar existindo, e eu acredito que seja esse…empatia, talvez.
VINICIUS: Você gosta de ensinar também, então…
DYMITHRIA: Eu gosto muito, muito, e principalmente ensinar sobre a vida. Eu sei que eu não sei nada sobre a vida, mas o que eu sei, acredito que possa ajudar muitas pessoas também.
VINICIUS: E essas experiências dolorosas ensinam muito, né? A dor é muito pedagógica.
DYMITHRIA: Sim.
VINICIUS: Você disse que o primeiro capítulo está disponível no Wattpad, é isso?
DYMITHRIA: Isso, ele está disponível para leitura gratuita no Wattpad, para as pessoas verem se indentificam-se com a personagem, se é do interesse delas continuar lendo…
VINICIUS: Você é a garota do gratuito, né? Você falou das aulas a preço de custo, e agora isso…
DYMITHRIA: hahahahah Sim. Precisar, a gente precisa muito, né? Mas outras coisas acabam superando a necessidade, né?
VINICIUS: Como tocar as pessoas…
DYMITHRIA: Sim, isso em mim é muito grande.
VINICIUS: Eu sempre esqueço de falar da tal pandemia em qualquer pauta. O que aconteceu com essa reclusão? Você acabou escrevendo de mais, de menos, como foi isso?
DYMITHRIA: Muita coisa, eu acabei criando um pouquinho também. Digamos que eu passei por um momento muito complexo, em que eu cheguei a precisar de terapia. Quando eu comecei a ter que sair pra trabalhar mesmo, porque eu vi que as coisas apertaram muito depois que minha vó faleceu, eu tive que começar a sair pra trabalhar, pra tentar a ajudar a minha família com questão de aluguel, despesa de casa, e eu acabei desenvolvendo até um pouco de pânico da rua, das pessoas. Eu acabei não querendo mais sair sozinha, pedi até demissão do trabalho. Fui desenvolver um monte de problema na pandemia, mas eu acredito que estão se estabilizando. Pra mim foi um processo bem complicado: ao mesmo tempo que eu produzi demais – conteúdo pra redes sociais, escritos – eu acabei me fechando um pouco pra realidade também.
VINICIUS: Surgiram, então problemas psicológicos, de crises e tal…
DYMITHRIA: Sim, crises de ansiedade, ainda tenho um pouco.
VINICIUS: E você resolveu na terapia? Você tem medicação pra isso? Eu to olhando pra minha agora, aliás…
DYMITHRIA: Eu decidi não tomar medicação. A gente fica dependente, meu namorado – ele faz medicina -, ele falou: “você vai ficar dependente se você começar a tomar remédio pra dormir. Você pode simplesmente fazer uma higiene de sono, ou algo assim.”, e aí foi me ajudando a melhorar.
VINICIUS: Essa questão da.. da linha de montagem, tudo vira uma linha de montagem hoje…Como independente, você não tem uma editora te ‘aburrinhando’ o tempo todo, mas você sente essa pressão?
DYMITHRIA: Eu me pressiono.
VINICIUS: Capricorniana, né…
DYMITHRIA: hahahahahah É, eu me pressiono muito. Eu sempre acho que dá pra melhorar o que eu estou fazendo. Eu apago, escrevo de novo, apago, escrevo de novo, corrijo, recorrijo, mas pra mim nunca tá perfeito.
VINICIUS: O personagem vai sendo feito ao longo da história ou você pensa em um personagem e constrói ele pra depois fazer a história?
DYMITHRIA: Eu construo a aparência dele, a nacionalidade, a idade, se tem família, onde mora…esses detalhes. E o resto, questão de personalidade, vai crescendo durante a escrita.
VINICIUS: A história em si tem um esqueleto que você pensa antes ou tudo vai sendo feito na linha do tempo mesmo, conforme você escreve?
DYMITHRIA: Vai surgindo.
VINICIUS: Você é bem intuitiva.
DYMITHRIA: Quando eu planejo muito, antes, dá errado.
VINICIUS: Vamos falar das métricas. Você gosta de escrever livros grandes ou menores?
DYMITHRIA: Olha,até hoje eu não escrevi nada pequeno, mas às vezes eu gostaria, porque o trabalho é menor, custos são menores também. Mas é que não pega toda a profundidade da coisa. Então eu escrevo e não me ponho limites. Às vezes eu falo “poxa mãe, tô no último capítulo aqui já”, quando eu vejo já passou mais 5 capítulos e eu ainda não terminei…
VINICIUS: É, você falou muito dessa profundidade. Seu personagem volta no tempo? Tem essa questão de separar o cronos do tempo e contar mais sobre o personagem?
DYMITHRIA: Olha, tem uma questão sim. Ela já começa escrevendo no diário dela. Então o começo já remete ao final do livro, tanto que no começo já tem um mistério, que pra entender você tem que ler o livro todinho, até o final.
VINICIUS: Eu imaginei, como você fala da sua criatividade, intuitividade, geralmente pessoas assim gostam de fazer uma bagunça na linha do tempo para a pessoa se interessar bem mais pelo enredo.
DYMITHRIA: Sim, pra ir encaixando.
VINICIUS: Muito melhor do que uma linha do tempo linear.
DYMITHRIA: Sim, sim. Tem uma transição entre a realidade e a ficção da própria personagem no livro também. Decisões… nesse primeiro capítulo tem um momento que ela fala que ‘tem alguém batendo à porta’, você só vai descobrir quem tá batendo na porta no final do livro, entendeu?
VINICIUS: Isso tem muita influência da Netflix. Tem muito original da Netflix que faz isso com a gente.
DYMITHRIA: Sim, nossa, sim, tipo um seriado que começa com esse tipo de coisa e você tem que assistir todinho pra saber quem ta fazendo isso no final. É muito complexo e muito bom ao mesmo tempo.
VINICIUS: Bom que a pessoa fica até o final, né…
DYMITHRIA: Sim, sim. Tudo isso é truque, né? Pra prender a atenção. Mas acaba não sendo tão intencional no meu caso. Quando eu comecei a escrever não foi tão intencional, depois eu percebi que acabou fazendo sentido por isso.
VINICIUS: Foi mais um jeito de brincar com as palavras…
DYMITHRIA: Isso.

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