
Uma descarga elétrica súbita e desordenada nos neurônios,que altera o funcionamento de uma parte do cérebro, causando crises convulsivas ou de ausência – olhos abertos, mas inconsciente, sem contato com o meio – repetidamente. Esta é a epilepsia (CID G40). No mundo, aproximadamente 50 milhões de pessoas sofrem dessa condição. Não são conhecidas todas a causas da enfermidade, mas lesões cerebrais costumam ter forte interferência para surgimento do quadro.
25% dos casos aqui no Brasil são graves, e apesar de gerar necessidades específicas, a legislação brasileira não considera a doença como deficiência, o que facilita muito para que sejam portadores sejam simplesmente demitidos à primeira crise em ambiente de trabalho, isso quando ganham uma oportunidade, afinal o preconceito faz com que muitos não sejam nem mesmo contratados, como reconhece Ana Maria Collete Chalfun, Psicóloga e Arteterapeuta.

Diante de toda a pressão social que leva ao isolamento, Chalfun fala no desenvolvimento de fobias por parte dos doentes. A epilepsia, graças ao constructo social, vira comorbidade que facilita o aparecimento de toda sorte de problemas emocionais. A próxima crise fica sempre à espreita, rodeada de incertezas quanto aos olhares ao redor.
Torna-se recomendável, então, o acompanhamento psicológico desde o início, como parte integrante do tratamento desde a primeira crise, uma vez que já se sabe, estatisticamente inclusive, que portadores de epilepsia têm altas chances de desenvolver depressão e ansiedade.
“Devido ao preconceito, as pessoas com epilepsia aprendem a ficar dentro de casa, escondidas da exposição porque ter crises em público podem implicar em muitas perdas: do trabalho; dos amigos, do seu ambiente social”
(Regina Silva Alves de Lima, Assistente Social do Departamento de Neurologia da UNIFESP e Terapeuta Familiar)
O Dr.Moreira Góis, doutor em psicologia, afirma que o preconceito a essas pessoas começa já dentro do núcleo familiar, desde a forte rejeição até a superproteção. As fantasias em relação à doença são mola propulsora desses comportamentos, gerando a negação da doença por parte do próprio portador. Há falta de mecanismos para reabilitação social, ajudados por uma sociedade mal informada. Em algumas regiões da África, por exemplo, epilepsia é vista como doença contagiosa, isolando o doente de seus pares, semelhante ao tratamento antigamente dado ao leproso.
Não é de se surpreender a extrema relação com a depressão. Até mesmo os mecanismos patogênicos de um quadro depressivo e da epilepsia são muito semelhantes. É preciso estar atento, pois a depressão gera sinais e sintomas diferentes nos epiléticos, inclusive por efeito da própria medicação.
A interação medicamentosa pode ocasionar prejuízo em ambos os tratamentos, e deve ser avaliada com cautela pelos médicos. Quando bem casadas, as medicações para depressão e epilepsia podem caminhar de mãos dadas e até mesmo ajudar-se mutuamente, como demonstrou o Doutor Andres Kanner, professor de neurologia clínica, chefe do departamento de Epilepsia e diretor do Centro de Compreensão da Epilepsia da Universidade de Miami.

Por apresentar uma miríade de graus e por ser difícil explicitar a incapacidade que a condição causa, a obtenção de direitos básicos como o Benefício de Prestação Continuada e a própria aposentadoria por invalidez dificilmente são alcançados. Tudo depende da imprevisível perícia médica do INSS.
O tratamento gratuito também deve ser garantido pelo Sistema Único de Saúde, devendo o portador acionar judicialmente o estado caso não o obtenha da maneira adequada, como o tratamento subsidiado em outros municípios ou a obtenção de medicamentos de alto custo. A recomendação da Associação Brasileira de Epilepsia é de que, em primeiro momento, procure-se uma solução extra-judicial.

Segundo o Dr.Diogo Freitas, Advogado e especialista em inclusão, é por não estar incluída na Lei 13.246/2015, como uma deficiência, que a epilepsia só será levada em conta dentro do BPC, de atendimentos preferenciais e outros direitos quando estiver explicitamente associada a incapacidades físicas, cognitivas, motoras ou visuais.
A epilepsia por si só, portanto, não goza de amparo do direito na maioria dos casos. A possibilidade de crises repentinas, diante disso, segue desamparada pela lei brasileira.
Qual o tratamento?
O tratamento para epilepsia envolve o uso de medicamentos, especialmente o fenobarbital, para controle das manifestações elétricas do cérebro.Todavia, o número elevado de comorbidades nos pacientes com esse diagnóstico pode dificultar bastante a conduta clínica. Não é incomum situações onde são combinados três ou até quatro remédios simultaneamente. Os portadores de maior gravidade podem precisar de neurocirurgia.
Há também o tratamento com o uso de derivados da planta cannabis – ‘maconha’ -, especialmente o óleo de cannabidiol (CBD), que tem auxiliado portadores ao redor do mundo a voltar à vida saudável, inclusive prevenindo convulsões que seriam irreversíveis caso ocorressem.A Academia Brasileira de Neurologia chegou a editar nota técnica reforçando o potencial do fármaco, que pode ter efeito ainda mais decisivo em casos agudos e entre crianças, reduzindo drásticamente frequência e agressividade das crises. Um estudo realizado em 2018, com 139 voluntários no Alabama apontou redução de 50 a 60% na gravidade dos episódios de convulsão, e quando olhamos para outra substância ativa, o TetraHidroCannabinol (THC), especialistas acreditam até mesmo na inibição total.
A alternativa, no entanto, ainda enfrenta resistência devido ao racismo histórico desde sua origem, como planta e cigarro que surgiu na África, carregada pelos escravos mundo afora. As pesquisas também sofrem com o tabu, o que atrasa muito a efetividade das descobertas. A autorização para uso depende das políticas estaduais, além da autorização da Anvisa para importação, que cresceu 127% em 2021. Além da epilepsia, medicações à base de cannabis podem ter efeito sobre parkinson, alzheimer e até no alívio de dores de cânceres. O Doutor Diogo Freitas esclarece que o cidadão que tiver receita para o uso de Cannabis in natura, precisará impetrar um Habeas Corpus Preventivo, instrumento que, vale lembrar, pode ser feito mesmo sem nomeação de advogado. Para o uso de medicações derivadas, como o óleo de CBD, quando com prescrição, tudo vai depender do aval da Anvisa para importação.
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