O velho-do-vento

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Causa e efeito…. causa e efeito… causa e efeito…

A gestalt nos ensina que o cérebro tende a simplificar o mundo que surge diante de nós…ao vermos vários traços enfileirados, por exemplo, tendemos a enxergar uma linha. A mente humana é uma fábrica de simplificações.

O vento bate na árvore e me pergunto “por que o vento venta?”. De pronto, respondo a mim mesmo “o vento venta porque venta, e está acabado.”. Essa resposta genérica, porém, dura pouco tempo: a gestalt começa a pesar nos ombros, a angústia toma conta. Logo revelarei a um amigo que sonhei com um velho que, pesar de aparentar extrema fraqueza causada pela idade avançada, era capaz de inflar os pulmões e fazer ventar, e depois desaparecia. Aos poucos esta versão dos fatos vai sedimentando no imaginário… o evento que era incausado agora tem uma causa, ainda que ilusória. Isso acalanta, acalma a mente. Poderia, com esse breve exemplo, criar a novíssima religião do Velho-do-Vento.

Somos obsecados por criar causas a eventos que aparentam não ter explicação. Por que o vento venta, por que o trovão troveja, por que o ser humano morre, por que o mundo mundeia… Em cima de cada complexidade, criamos um mito que explica e simplifica. Logo nosso mundo passa do caos ao cosmos… cada evento com a sua causa.

Na política, isso é especialmente observável, e o é por um motivo: é uma área complexa, por ser feita do homem e sua relação com o poder. Não existe causa única nos atos e consequências políticas, do mesmo modo que não existe martírio ou vilania nos detentores do poder. Porém a mente tende a criar relações de causa e efeito muito brandas, a fim de acalmar a inquietação da incompletude de explicações. Logo, toda essa simplificação torna-se alicerce do maniqueísmo político, cegando o povo com ideologias fanáticas e, muitas vezes, sem sentido.

E a história vai se construindo… como numa dança de salão, causa e efeito bailam, e criam a narrativa do mundo, ainda que com causa inventada ou efeito incompreendido. A falsidade causal vai sendo esquecida, e tudo o que foi escrito passa a ser reescrito nos mesmos termos, sofrendo da mesma sina cerebral de simplificação.

Que a verdade não é absoluta, sabemos desde que a Idade Média terminou. Resta agora entender que tampouco ela é somente relativa. Para que fosse meramente relativa, seria necessário que o “meu deus” estivesse em mim e o “seu deus” em você, e pronto, acabou. Mas não é assim que funciona. O “meu deus” conversa com o “seu deus”. O meu partido conversa com o seu partido. As unidades de relatividade passam a criar pontes entre si, seja baseadas em relações de dominação, afetividade, fanatismo, conflito, ou o que quer que seja.

A verdade, enquanto fenômeno relativo e relacional, é construída nas narrativas de causa e efeito. A verdade é narrativa. Controle a narrativa e controlará a verdade. Nosso senso de simplismo age até mesmo nesse ponto: nos recusamos a entender o caráter narrativo da história pois isso implicaria dizer que muito do que fora real simplismente foi massacrado pelas linhas narrativas.

Gostaríamos muito de dizer que conhecemos o mundo tal qual ele foi, é e será. Mas a narrativa do mundo, como narrativa que é, é construída através de estranhas relações de poder. Por trás de toda narrativa há um narrador, e o narrador tem o poder que nem mesmo o rei mais poderoso da fábula possui… o narrador pode, inclusive, apagar o rei das linhas narrativas, ou vilanizá-lo.

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Uma resposta para “O velho-do-vento”.

  1. […] já citei no texto “Velho-do-vento” (sugiro a leitura), entendo a verdade como não apenas relativa, mas dotada de uma dimensão […]

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