Dado vêm do relatório lançado hoje pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)

30-06-2020 11:16
Foi divulgado hoje um relatório do Fundo de População das Nações Unidas, denominado “Contra Minha Vontade: Desafiando as práticas que prejudicam mulheres e meninas, e impedem a igualdade”. Os dados revelados informam graves formas de violação de direitos humanos na forma de violência de gênero.
A taxa de casamento infantil no Brasil (26%) supera a média do mundo (20%) e também a da América Latina (25%); 1 em cada 4 meninas brasileiras se casam antes dos 18 anos, na maioria das vezes por força de uma gravidez precoce, o que ocorre em cerca de 53% das meninas brasileiras entre 15 e 19 anos e é a maior causa de mortalidade de meninas nesta idade a nível mundial, segundo a OMS. Na América Latina e Caribe, 86% das mulheres que se casaram antes dos 18 tiveram filhos antes dos 20 anos.
Visões patriarcais acerca da objetificação da virgindade, da capacidade reprodutiva e da capacidade de trabalho doméstico também figuram como artífices do alto índice de casamentos precoces. Pesquisas indicaram que meninas casadas antes de atingir a maioridade tem maiores chances de perpetuar os papeis tradicionais de gênero, como por exemplo, o sacrifício da vida profissional em nome do cuidado da casa e dos filhos em período integral. Sustentar a concentração de poder nas mãos dos homens, neste sentido, contribui para a manutenção e aumento desses números elevados, ao passo que o processo de empoderamento da mulher tem potencial de tranquilizar as estatísticas.
A UNFPA aponta que grande parte desses casamentos ocorrem à contragosto da mulher, por pressão familiar direta ou indireta, diante da ideia errônea de que apenas o casamento garantirá um futuro à mulher. De acordo com a Doutora Natalia Kanem, Sub-secretária geral e Diretora Executiva da UNFPA, cerca de 84 milhões de meninas são vítimas deste e de outros tipos de violência, como a mutilação genital feminina, que ainda é uma realidade no Brasil, porém, em menor escala se comparado à África. Apesar da diminuição do número de casos desses dois tipos de violência, o relatório estima que, com o crescimento populacional aumentando, e o ritmo de queda sendo baixo, mais meninas estão sofrendo, e não menos, como poderia indicar uma análise menos cuidadosa.
A Comissão sobre o Status da Mulher estima que cerca de um terço das mulheres do mundo sofrerá algum tipo de violência física ou sexual durante a vida, e o dado ganha mais realismo quando descobre-se que, em 57 países, apenas 55% das mulheres casadas ou em união estável tomam as próprias decisões quando o assunto é sexo ou contracepção, ou seja, muitas são vítimas de abuso sexual dentro da própria relação.
E as violências ganham contornos cada vez mais específicos: o relatório ainda aponta, como resultado da objetificação do corpo, situações de desnutrição e até mesmo de alimentação forçada. O fim dessas espécies de práticas nocivas até o ano de 2030 é um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, um plano de ação das nações unidas ‘para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade’ (ONU).

As metas presentes no ‘Objetivo 5’, que trata da igualdade de gênero, são:
“5.1 Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte;
5.2 Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos;
5.3 Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas;
5.4 Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais;
5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública;
5.6 Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão;
5.a Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais;
5.b Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres;
5.c Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis;”
(Fonte: nacoesunidas.org – grifos nossos)
Para o alcance da igualdade de gênero,porém, a perspectiva é bem menos otimista: levarão pelo menos 100 anos para que o abismo que separa homens e mulheres tenha fim, tempo grande principalmente porque, conforme aponta Astrid Bant, representante do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil, há ainda preconceito contra o gênero feminino na maioria das pessoas. Astrid ainda ressalta a diferença entre países como fator decisivo: enquanto uns trabalham em prol da busca pela igualdade de gênero e evoluem neste sentido, outros demonstram intensa ascensão das desigualdades.
Porém, mesmo nos países ditos ‘avançados’, Bant ressalta que existem ainda tabus difíceis de quebrar, como a objetificação da mulher em torno dos padrões de beleza. Como solução, ela aponta:
“Para começar a resolver, é preciso adotar políticas que foquem no empoderamento de meninas e mulheres, oferecendo as mesmas oportunidades de alcançar uma vida plena, o que significa oferecer oportunidades de estudo, de trabalho, de exercer suas escolhas reprodutivas, de planejar se querem ter uma família e quando, mas também enxergá-las como um todo. Sociedades bem-sucedidas deixam que as mulheres exerçam seu potencial, enquanto outros que permitem que práticas nocivas perseverem, como a mutilação genital feminina, o casamento infantil e a preferência por filhos homens, têm muito o que trabalhar.
O caminho para essa enfrentar essa situação está descrito no compilado de metas do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável. Especificamente no ODS 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.”
A posição da UNFPA é que leis são necessárias, mas não bastam: são necessárias atitudes em todos os níveis sociais, dado o enraizamento da discriminação existente entre homens e mulheres.
Procurado, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos declarou que antes da Lei 13.811/2019, menores de 16 anos podiam se casar no Brasil em situações excepcionais, com autorização dos pais e da Justiça, e que agora não há mais essa permissão, que a nova legislação, recentemente sancionada pelo presidente da República, é um passo para coibir a prática do Casamento Infantil, mas não explicou qual a ‘legislação’ se refere.
O Ministério também se declarou ‘predominantemente de mobilização e capacitação’, tento sempre intenção de ‘executar ações de políticas públicas de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos, e que por isso “todas as ações da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), sejam elas de capacitações dos Conselhos Tutelares ou até mobilização dos atores dos Sistema de Garantia de Direitos, contempla a proteção de crianças e adolescentes, incluindo a temática de combate ao casamento infantil”
Aproveitando a oportunidade, o Ministério anunciou que hoje, 30, lançou edital para empresas interessadas em contribuir para o programa “Criança Protegida”:
“Lançado pelo Governo Federal, o Programa prioriza a rede de proteção dos direitos das crianças e adolescentes, formada por gestores, servidores públicos e organizações da sociedade civil.
As ações são desenvolvidas por meio de seminários e produção de materiais em três áreas complementares.
O objetivo é capacitar os atores da rede nos eixos “Proteção intersetorial e interdisciplinar das crianças e dos adolescentes vítimas de violência”, “Violência sexual” e “Programas de atendimento e proteção”
O ministério também anunciou “a disponibilização de curso gratuito no âmbito da Escola Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (ENDICA).”
“Realizada na modalidade “à distância”, a atividade visa à formação de conselheiros tutelares e demais interessados na temática. A previsão é que as aulas tenham início no próximo mês.
A proposta é oferecer o que a pessoa precisa saber para atuar como agente dos direitos da criança e do adolescente.
Ressaltamos que a ENDICA e a Escola Nacional de Socioeducação (ENS) são ações marcantes na capacitação dos operadores do sistema.”
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