A nova meta de inflação sob análise

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com o Diretor Técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) Fausto Augusto Júnior, acerca da nova meta inflacionária de 3,25% para 2023.

Foto: Roberto Parizotti

02-07-2020 – 17:24

Como a nova meta de inflação foi recebida entre os economistas? É uma meta realista?

Fausto: O governo está baixando a meta de inflação para os próximos anos, como forma de sinalizar aos agentes financeiros que há controle dos gastos públicos. Vem também reduzindo os juros – a elevação dos juros é o remédio ortodoxo para reduzir a inflação. Neste momento de queda de juros e redução da meta da inflação, o governo quermostrar aos agentes econômicos a confiança de que as contas públicas estão em equilíbrio.  Também já demonstrou o otimismo de seguir com as reformas.

A economia brasileira, desde o ano passado, vinha apresentando baixo crescimento. Com a pandemia, a renda e o consumo despencaram e o desemprego cresceu. Pelo menos para esse ano, não há indícios de pressão inflacionária generalizada.

O problema do rebaixamento da meta é que ele pode levar a uma alta nos juros quando a economia voltar a aquecer.

Qual a importância, em si, da ideia de fixar metas para o crescimento inflacionário?

Fausto: As metas de inflação fazem parte do tripé liberal de condução de política macroeconômica – metas de inflação, equilíbrio fiscal e cambio flutuante. A fixação de metas para a frente, além de querer convencer os agentes econômicos da estabilidade da economia, indica que serão feitas políticas necessárias para a manutenção da meta, mesmo que resultem em austeridade fiscal e aumento de juros. Isso deve significar mais aperto fiscal e privatizações no pós-pandemia.

É importante ressaltar que, pelo sistema de metas de inflação, o governo e o Banco Central deve agir quando se ultrapassam os limites do centro da meta, tanto para cima quanto para baixo, como está agora. Porém, não é o que se verifica. O BC é ágil para intervir quando a inflação sobe, mas não intervém com o mesmo rigor quando a inflação cai abaixo do limite inferior.

Inflação muito baixa ou deflação são indicadores de recessão econômica que carecem de atuação do Estado.

O governo poderá pleitear a alteração da meta durante esse período? Acredita-se que ele fará isso?

Fausto: O governo pode sempre alterar as metas, mas

acredita-se que tentará, ao máximo, mantê-las como foram anunciadas, como forma de sinalizar confiança aos agentes econômicos.

Quando o consumidor final começa a sentir os efeitos dessa afixação? Pode ser sentido agora mesmo ou apenas em 2023?

Fausto: A inflação é uma grande média, ou seja, representa a média das variações de muitos preços (cerca de 800 itens). Nem sempre o consumidor percebe que a inflação medida é a inflação divulgada, porque a percepção depende dos produtos que ele compra no cotidiano. Por exemplo, se o indivíduo gasta muito com remédios, e os remédios têm o preço controlado e reajustados acima da inflação, ele pode ter a percepção, pelos próprios gastos, que a inflação é mais alta do que a média divulgada.

Porém, com uma meta muito baixa, o que se espera são pressões de compressão da economia para que o país se enquadre na meta, o que pode levar a um processo de esfriamento da economia que poderá estar em reaquecimento.

Com que grau de previsibilidade é possível afixar esse tipo de meta ou fazer outros tipos de projeção, visto que enfrentamos uma pandemia que, certamente, trará impactos futuros relevantes no cenário econômico?

Fausto: A meta estipulada tem como objetivo, comodito antes, sinalizar aos agentes econômicos que a economia brasileira está saudável e que assim se manterá para os próximos anos. Então, a previsão de meta é mais um “recado”, uma vez que vários fatores exógenos podem interferir na inflação – crise de petróleo, recessão mundial, choques de ofertas e outros fatores, de forma que fica difícil estimar realmente que tudo caminhará da forma como se prevê.

Há esperanças para o cidadão ‘comum’, diante da agenda neoliberal de Paulo Guedes? Quais os riscos imediatos de uma política econômica focada no empresariado?

Fausto: Os riscos da agenda neoliberal são aumento da pobreza e da desigualdade de renda,da drástica redução do bem-estar social em prol do lucro. A ideia de que o mercado resolve e que as empresas gerarão empregos, se forem priorizadas pelo governo,ébalela.

O que estávamos vivendo antes da pandemia era a flexibilização do trabalho, com precarização da renda e baixo crescimento, apesar de o governo rezar na cartilha liberal, realizar e implementar as reformas trabalhista e previdenciária, da aprovação da PEC dos gastos e da terceirização. E, para o cidadão comum, a dificuldade é maior, pois o medo do governo de que haja quebra da economia é mais significativo do que a vida dos brasileiros.

Muito se têm falado da alta do Dólar… O que esperar do valor da moeda nos próximos meses?

Fausto: Há indícios de que o real siga desvalorizado diante do dólar, em torno dos R$ 5,00 por dólar, um pouco mais ou um pouco menos, mantendo o ritmo das exportações, apesar da retração mundial. No entanto, é necessário atentar para as questões externas, da China e dos EUA, para garantir a efetivação das expectativas do atual patamar da moeda americana.

Além disso, as instabilidades políticas podem interferir nas expectativas futuras depreciando mais o real em relação ao dólar.

Diante da pandemia tornou-se imperioso a realização de distribuição de renda, fato que culminou no auxílio emergencial de 600 reais. Mas, para além disso, há uma preocupação para com o desfecho dessa política, o que culminará, no início do próximo ano, no reajuste do salário mínimo. O quão substancial deve ser esse reajuste? Um aumento do salário mínimo abaixo do necessário pode gerar que tipos de conseqüência para uma sociedade pós-pandemia?

Fausto: A existência de um Estado diligente, que zela pelos cidadãos e conduz o processo de transição para o período pós-pandemia, é fundamental. Nesse momento, parcela grande de brasileiros, sobretudo de baixa renda, trabalhadores informais, sofrem muito com os impactos da covid-19, por falta de renda, pela dificuldade de acesso a serviços de saúde, porque continuam se expondo devido à necessidade de trabalhar.

O salário mínimo sempre foi um instrumento fundamental de distribuição de renda e a política de valorização dessa remuneração, que vigorou por muitos anos, mostrou a importância do piso nacional para estimular a economia do país – vivemos isso a partir de meados dos anos 2000. Então, um reajuste acima da inflação para o mínimo, com aumento real, poderia fazer a diferença para reativar a economia no pós-pandemia.

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