Perdão de Bolsonaro concedido a Daniel Silveira foi anulado.

O Supremo Tribunal Federal finalizou no último dia 10 o julgamento de 4 ações que tinham o mesmo objeto: o decreto do presidente Jair Bolsonaro que concedia perdão ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), por crimes contra o Estado Democrático de Direito. O decreto foi julgado inconstitucional, por maioria. Só dois ministros divergiram: Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro para a Suprema Côrte. Mendonça chegou a ser questionado por Alexandre de Moraes após usar textos da imprensa para tentar defender o ex-deputado:

“Certo ou errado, expressão de impunidade, ou não, é esse o comando constitucional,([o presidente concede o indulto a quem quiser]) que deve ser observado”
Ministro André Mendonça, STF

“O decreto presidencial de concessão de indulto ao acusado reveste-se de constitucionalidade, que não restou afastada dos fundamentos apresentados na ação”
Ministro Nunes Marques, STF
Os ministros entenderam que o indulto goza sim de ampla discricionariedade, ou seja, que a princípio, poderia ser concedido pelo presidente a quem ele bem entender. Ponderaram, porém, que “disso não resulta a sua impossibilidade absoluta de ser questionado perante o Poder Judiciário, em especial para verificar se o seu objeto está de acordo com os ditames constitucionais”.
Apesar da derrubada no caso em questão, por ser constatado que “o benefício foi concedido de modo absolutamente desconectado do interesse público — mas em razão do mero vínculo de afinidade político-ideológico entre o chefe do Poder Executivo e o beneficiário”, prevaleceu o entendimento de que o indulto é um “importante instrumento de política criminal, voltado a atenuar possíveis incorreções legislativas ou judiciárias em prol da reinserção e ressocialização de condenados que a ele façam jus”.

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
Constituição Federal
[…]
XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;”

“É inconstitucional — por violar os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa e por incorrer em desvio de finalidade — decreto presidencial que, ao conceder indulto individual, visa atingir objetivos distintos daqueles autorizados pela Constituição Federal de 1988, eis que observa interesse pessoal ao invés do público.”
Informativo 1094, STF
Os perdões presidenciais
O presidente da república, além de diminuir ou trocar a pena por uma mais branda, tem em mãos dois recursos para perdão de crimes:
- A graça, também chamada de indulto individual, que depende de pedido do criminoso;
- O indulto, que é coletivo, sem mencionar nomes, e pode ser concedido sem pedido prévio;
Além desses, o congresso pode aprovar e o presidente sancionar uma anistia, que coloca fim nos efeitos penais de uma condenação (prisão, multa, serviço comunitário, etc.), mas mantém os efeitos civis (como o dever de indenizar, por exemplo).
Normalmente o decreto de indulto é editado no final do ano, e beneficia presos com bom comportamento e/ou que tenham alguma deficiência. Mães com filhos menores de 14 anos também costumam ser beneficiadas com o ato. O último indulto deixado por Bolsonaro atingia os policiais condenados pelo massacre do Carandiru, ocorrido em 1992. O trecho foi suspenso pela ministra Rosa Weber, em sede de liminar. Ela entendeu que o indulto poderia beneficiar os policiais que cometeram crimes hediondos na ocasião, o que é vedado pela constituição. A ação ainda não foi julgada em definitivo.
Precedentes
Para embasar o voto a relatora, Ministra Rosa Weber, utilizou duas ações. A primeira é de 2002, e questionava um decreto editado por Fernando Henrique Cardoso. Na época, o então Ministro Ilmar Galvão reafirmou a regra constitucional de que não era possível conceder indulto nos casos de ” […] crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”, deixando claro que, por mais que se enquadrassem nos critérios do Decreto, esses casos estariam de fora do benefício. A liminar foi aprovada pelo plenário.
O outro caso é de 2019, onde a própria Rosa Weber teve sua liminar derrubada, após revogar um decreto de Michel Temer que concedia indulto natalino. A decisão, apesar de manter o indulto, já traz uma ponderação ao firmar que o Presidente deve decidir sobre o perdão “entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis”. O decreto de Temer causava polêmica por beneficiar condenados por corrupção na lava-jato e no mensalão.
O indulto publicado em dezembro de 2017 pelo então presidente Michel Temer concedia o perdão para quem tivesse cometido crimes sem violência ou grave ameaça, depois de o preso cumprir um quinto da pena. Antes, era preciso cumprir tempo maior, um quarto. O decreto também passou a permitir o perdão para condenados a penas mais elevadas, sem limite. Antes, só os presos condenados a até 12 anos podiam se beneficiar do indulto. E favorecia presos independentemente dos crimes, mesmo os condenados por crimes de colarinho branco, como lavagem de dinheiro e corrupção.
Fonte: Jornal Nacional / G1
O indulto tem duas finalidades, como vimos: descongestionar o sistema penitenciário e fins humanitários. Indultar a pena de multa de pessoas que desviaram milhões não tem fins humanitários. E, em segundo lugar, o número de pessoas que estão presas por delitos de corrupção e correlatos, como já observei, é mínimo. Porém, a pena de multa não produz nenhum impacto sobre o encarceramento. Portanto, aqui, falta causa para justificar o indulto da pena de multa. E o decreto, neste particular, afronta a decisão do próprio Supremo, cujo Plenário entendeu, por maioria expressiva, que o pagamento da multa – no caso da Ação Penal 470, que eu fiquei como Relator – que o pagamento da multa era pressuposto para progressão de regime e era pressuposto para a obtenção de indulto. E vem o decreto presidencial e diz que está dispensado da multa e, se não tiver pago, também tem direito ao indulto.
Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, na ADI 5.874/DF
A pergunta mais óbvia é: Quem nessa vida vai pagar a pena de multa se basta esperar o final do ano para receber o indulto? E sempre relembrando que, neste particular, tal como no caso de corrupção e correlatos, a minuta de decreto encaminhada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária excluía a multa do benefício do indulto.