A criança nasce e começa a se desenvolver. Nesse tempo, os pais percebem diferenças na maneira de interagir com o mundo. Vem logo o questionamento: procurar um médico? Qual médico? Sem dúvida que há que se pensar nos direitos, que por força de justiça devem ser equânimes, especialmente, nesse momento, o direito de ir e permanecer na escola, bem como nela aprender como qualquer outro. Especialistas nos ajudam a entender os direitos envolvidos.

Dra Jaqueline Bifano é psiquiatra da infância e adolescência, e adverte para responsabilidades que vão muito além do garantir o estar na escola: Professores devem estar devidamente capacitados para receber o aluno autista em sala de aula.
O professor é visto como mediador no processo inclusivo; é ele quem promove o contato inicial da criança com a sala de aula, pois é o responsável por incluí-lo nas atividades com toda a turma
Dra. Jaqueline Bifano

Para tanto, continua, o educador deve ter consciência do tamanho do seu papel na garantia dos direitos do cidadão que está se formando. A habilidade do pedagogo será crucial para entender as especificidades de cada aluno com necessidades especiais. Mas será que os pais sabem que direitos são esses? Não deveria estar na ponta da língua a letra de cada lei que rege a inclusão? Para ajudar nessa difícil tarefa, o advogado e professor de Direito Educacional da PUC-SP, Luiz Fernando Salles Giannellini, levantou a legislação sobre o tema. Para ele, estamos ainda muito atrás em relação a outros países, principalmente porque foi só em 1994, com a Conferência Mundial de Educação Especial. Vejamos:

Constituição Federal
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
[…]
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente narede regular de ensino;
Constituição da República Federativa do brasil de 1988
Estatuto da Pessoa com Deficiência
A lei brasileira de inclusão traz enorme contribuição ao especificar as garantias educacionais da pessoa com deficiência em seus artigos 27 à 30.
A LBI assegura sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, ou seja, não garante apenas para crianças em idade escolar, abrange o ensino superior. O sistema educacional inclusivo visa alcançar o máximo desenvolvimento possível do dos talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem do educando.
Garante ainda que instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, se adequem as necessidades individuais do educando. Proibindo, inclusive, a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.[…]
A educação inclusiva no Brasil ainda deixa muito a desejar apesar da lei em vigor tratar o tema de forma especifica.
A grande maioria das escolas ainda não estão preparadas para oferecerem educação inclusiva de qualidade. Ainda temos um enorme caminho a percorrer.
Diana Serpe*, especialista em Processo Civil e Direito Civil pela Faculdade Damásio de Jesus e Direito Empresarial pela Unip. Sócia do escritório Serpe Advogados, com atuação em ações relacionadas a negativas dos planos de saúde e palestrante em Direito da Pessoa com Deficiência.

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
II – aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;
III – projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;
IV – oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;
V – adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;
VI – pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva;
VII – planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;
VIII – participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;
IX – adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos
linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência;
X – adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado;
XI – formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;
XII – oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;
XIII – acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;
XIV – inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento;
XV – acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar;
XVI – acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino;
XVII – oferta de profissionais de apoio escolar;
XVIII – articulação intersetorial na implementação de políticas públicas.
§ 2º Na disponibilização de tradutores e intérpretes da Libras a que se refere o inciso XI do caput deste artigo, deve-se observar o seguinte:
I – os tradutores e intérpretes da Libras atuantes na educação básica devem, no mínimo, possuir ensino médio completo e certificado de proficiência na Libras; (Vigência)
II – os tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras. (Vigência)
Lei 13.146, de 6 de Julho de 2015
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
[…]
III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de educação especial, nos termos do caput deste artigo, tem início na educação infantil e estende-se ao longo da vida, observados o inciso III do art. 4º e o parágrafo único do art. 60 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.632, de 2018)
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro nacional de alunos com altas habilidades ou superdotação matriculados na educação básica e na educação superior, a fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento pleno das potencialidades desse alunado. (Incluído pela Lei nº 13.234, de 2015)
Parágrafo único. A identificação precoce de alunos com altas habilidades ou superdotação, os critérios e procedimentos para inclusão no cadastro referido no caput deste artigo, as entidades responsáveis pelo cadastramento, os mecanismos de acesso aos dados do cadastro e as políticas de desenvolvimento das potencialidades do alunado de que trata o caput serão definidos em regulamento.
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.
Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
Lei 9.394, de 20 de Dezembro de 1996
Outras leis
Várias outras leis trataram da mesma temática. Podem ser citadas:
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
“Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;“
Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990
Lei 7853/89
Esta lei dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências, também garante o direito das pessoas com deficiência, entre eles todos os direitos sociais garantidos pela CF, no qual se insere a educação.
Lei 12.764/2012
Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, igualmente determina ao Poder Público que:
““Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
[…]
V – o acesso: a) à educação e ao ensino profissionalizante”
Lei 12.764, de 27 de Dezembro de 2012
E os processos judiciais?

Giannellini conta que são muitas as incursões nos tribunais para tratar do tema, e atribui isso à pouca valorização da educação no país, ‘com recursos cada vez menores’, a adoção de políticas públicas vazias de efetividade prática, a falta de fiscalização e, claro, ao pouco envolvimento da população na cobrança desses direitos. Como jurisprudência importante, o professor cita o Ministro Edson Fachin:
1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana.
2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim imperativo que se põe mediante regra explícita.
[…]
4. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda.[…] . Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta.
5. O enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da estupefação diante do que se coloca como novo, como diferente.
6. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação .
[…]“
(ADI 5357 MC-Ref, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
09/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-
2016)
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